Quando cheguei em Brasília, ainda muito garota admirei-me ao conhecer uma figura popular que andava exoticamente pelas ruas filosofando de maneira especial. Diferente de outros bêbedos comuns que andam perturbando as pessoas que passam ele atraía a criançada que se aproximava falando da vida e seus atributos e todos o chamavam de "Mestre." Tinha frases peculiares e não raro o via perto de minha casa em meio a uma enorme roda de mocinhas e rapazes que o provocavam para que ele falasse cada vez mais. Em diversas ocasiões ao sair pala manhã de carro podia avistá-lo dormindo em cima de árvores como se fosse uma cama improvisada.
Seu estranho, mas simpático vulto granjeou também a minha aguçada curiosidade. E muitas vezes ao ouvi-lo eu ficava a uma distància que pudesse entender seus conceitos inteligentes e admirava-me cada vez mais que um homem que morava nas ruas cujo futuro parecia completamente incerto fosse profundo em seu raciocínio e capaz de emissões de estímulo e noções de formas de viver e sentir.
Conversava longamente com a meninada embora alcoolizado conseguindo com segurança emitir suas opiniões. E fiquei determinada a saber a sua história.
Oriundo de uma família da classe média alta sua inteligência brilhante não se amoldava a hábitos corriqueiros e padrões clássicos. Sempre detestou a monotonia do dia-a-dia. Sua vida em casa era cheia de conflitos e a família tinha dificuldade desde cedo aquele menino exótico que não nascera para hábitos tradicionais.
Logo se cansou. Lendo livros acima de sua idade, mas não conseguindo seguir um currículo normal tornou-se ainda adolescente um autodidata. Era incrível sua cultura geral e a participação e conhecimento em todos os assuntos. Era realmente um mestre.
A dependência ao álcool, entretanto era cada vez maior e muitas vezes dormia na delegacia carregada por carros da polícia que faziam uma vistoria noturna. Jamais apesar de à s vezes não ter o que comer deixava de carregar um livro preferido geralmente filosófico e de conteúdo profundo.
CONCLUSÃO
Durante algum tempo eu não o vi e perguntava à s pessoas que costuma também ouvi-lo onde estaria o mestre. Preocupei-me achando que pudesse ter sido internado em algum sanatório já que não conseguia libertar-se da bebida. Mas ninguém sabia da exótica figura que nos fascinava quer pela inteligência desmedida, quer pelo conhecimento invulgar em pessoas que levavam esse tipo de vida.
Um dia em que saía de casa muito tempo depois vi o familiar amigo dos jovens. Custei a acreditar que fosse ele mesmo. Vestido não luxuoso, mas formalmente, seu rosto continuava a ostentar aquele ar meio perdido das pessoas cuja inteligência é invulgar. Mas em todo o resto mostrava ser uma pessoa de vida normal.
Soube então da sua história e pude comprovar o que uma paixão é capaz de fazer. No desenrolar de sua vida antiga conhecera uma moça que como muitas outras ficara impressionada pela exposição de seus conceitos e pelo carisma natural que nunca deixaria de ter. E essa admiração transformou-se rapidamente em paixão violenta correspondida plenamente pelo mestre. O desenrolar da história é algo corriqueiro em todos os casos de envolvimento profundo. Saiu das ruas e foi viver com a Isabel que lhe deu logo um filhinho. Chegou à conclusão que não poderia obrigar à família que começara a construir a seguir um tipo de filosofia particular que poderia causar danos e infelicidade.
E afirmava com seu olhar profundo fixando um ponto que só ele atingia:
-A paixão está acima até de minha liberdade. E proclamo Isabel a minha redentora.
Além de desfrutar de um magnífico cérebro gostava realmente pelo seu próprio perfil de personalidade de frases de estilo. Não perdera o dom da prolixidade, mas eu achava estranho quando o via dirigindo um pequeno carro com a família que começava a crescer. E interiormente admirava-me do poder dessa paixão esplendorosa que é capaz de uma reversão inesperada e incompreensível.
