ANOS DEDURADOS
Naqueles tempos de chumbo, quem chegasse de mala e cuia para viver na Casa do Brasil - em Paris - era, antes de tudo, um Dedo-Duro.
À medida que conhecíamos as pessoas, elas nos diziam para tomar cuidado com Fulano, era dedo-duro. Logo em seguida vinha o Fulano e nos advertia para ficarmos espertos com Sicrano, pois era dedo-duro. E assim por diante, todo mundo falava de todo mundo, fechando-se o círculo: não havia quem não fosse considerado dedo-duro.
Como distingui-los? Ninguém sabia e também não havia como perguntar, já que todos desconfiavam de todos. O melhor mesmo era fazer boca de siri e cara de sonso, não dando continuidade a certos assuntos.
Com o passar do tempo e à custa de muita observação, pudemos começar a distingui-los. De fato, havia gente ali cujo maior objetivo era mesmo o de dedurar. Como não podíamos descartá-los, sob pena de ser dedurados, éramos obrigados a aturá-los, pelo menos socialmente.
Para além dos muros da Cidade Universitária viviam os exilados. Exilados formalmente e exilados voluntariamente. Todos eles, tanto de um grupo como de outro, fugiam dos brasileiros como o diabo da cruz. Com toda razão.
Os passos de qualquer brasileiro, exilado ou não, fichado ou não, eram vigiados. E muitas vezes, fotografados.
Beatriz Cruz |