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Teses_Monologos-->Lembranças da vida militar -- 18/02/2004 - 17:09 (Ricardo Barreto Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Em Julho 1961, com 19 anos de idade, fui convocado para servir ao exército sendo incorporado como soldado no 7° Regimento de Obuses (7º RO) em Olinda (PE). 




Foi uma experiência muito boa, treinávamos muito, fazíamos muita educação física, aprendemos a atirar com vários tipos de armamento e, embora a comida não fosse de boa qualidade, comíamos como se fosse de primeira devido à fome que sentíamos depois dos exercícios puxados. 
Com dois meses comecei a fazer curso para cabo e com seis meses passei na seleção para a ESA (Escola de Sargento das Armas) em Três Corações (MG). 
Meus pais ficaram tristes com a minha partida, mas parti contente porque ia viajar de avião pela primeira vez na minha vida. 
Em Janeiro de 1962 embarquei numa fortaleza voadora B17 da Aeronáutica que fazia o serviço de Correio Aéreo Nacional (CAN). 
O vôo partiu do Recife às cinco horas da manhã e chegou ao Rio de Janeiro às dez da noite depois de pousar em todas as cidades do percurso onde havia bases militares. 
Cheguei ao Rio liso e com fome, pois o dinheiro que levara só deu para comprar um sanduíche com guaraná, pois não nos serviram nada no avião. 
Fomos levados de caminhão do Aeroporto Santos Dumont para a Vila Militar onde nos esperava um suculento jantar. 
No dia seguinte, logo cedo, seguimos de trem para Três Corações aonde chegamos à noite. Jantamos e fomos dormir. 
Na escola éramos ao todo quatrocentos alunos de todo o Brasil. Durante uma semana, na parte da manhã, fomos submetidos a testes físicos, psicológicos e de aptidão. 
À tarde, como fiquei acomodado no Esquadrão de Cavalaria, fui escalado para cuidar dos estábulos; alimentar, banhar, escovar e ferrar cavalos. Tive algumas aulas de equitação também que foram muito prazerosas. 
Na semana seguinte saiu o resultado das avaliações e tínhamos que optar por seguir uma das Armas oferecidas pela ESA (Engenharia, Artilharia, Comunicações, Infantaria ou Cavalaria) ou então se especializar em alguma das Escolas Militares no Rio de Janeiro. 
Eu estava pensando em optar por Radiotelegrafia, mas ao ver a minha avaliação para a função, ZERO, desisti da pretensão. 
Para Técnico de Rádio eu, que nunca vira um radio por dentro, consegui 98 em um máximo de 100. Isto porque a aptidão para o curso de rádio consistia em ter raciocínio lógico e matemático. 
Não titubeei, optei por pelo curso de Técnico de Rádio e fui transferido para a Companhia de Engenharia para fazer o curso básico. 
Na primeira semana na Cia. De Engenharia fui chamado um dia na sala do comandante da Companhia juntamente com dois colegas, um do Rio (Aquino) e outro de São Paulo (Serrão), e o comandante nos falou que tínhamos tirado as maiores médias nos testes de QI entre os quatrocentos alunos testados. 
Tempos depois descobri que os alunos que tiveram as avaliações mais baixas nos mesmos testes foram todos encaminhados para fazer o curso de Cavalaria, que era um curso que exigia mais bravura do que capacidade intelectual. 
“SE NÃO TENS O OLHAR DA ÁGUIA, A RAPIDEZ DO RAIO E A CORAGEM DO LEÃO, PARA TRÁS, NÃO ÉS DÍGNO DE PERTENCER AO FURACÃO DA CAVALARIA”. Este era o lema deles. 
Será que isto explica o desempenho medíocre, truculento e subserviente ao capital internacional predatório dos quatro últimos presidentes militares, todos de Cavalaria? 
Depois de três meses voltamos para o Rio de trem e ficamos na Escola de Comunicações do Exercito (ES COM). Éramos 40 homens, 20 iam estudar rádio e 20 equipamentos elétricos. Outros alunos que estavam conosco na ESA foram enviados para outras escolas militares do Rio. 
Na ES COM já existia, fora o contingente normal, 40 sargentos da turma de 1961 que haviam sido promovidos e não foram designados para servir nos quartéis onde havia carência de sargentos especialistas. Estavam todos fazendo serviços burocráticos sem importância na Escola. 
Em dezembro de 1962 fui promovido a 3º sargento e, junto com os outros 39 colegas promovidos comigo, ficamos servindo na ES COM sem sermos transferidos para a tropa. 
O mesmo aconteceu com a turma de 1963. Resultado, durante o golpe militar havia 120 sargentos, com os melhores QIs de cada turma, confinados numa escola militar sem produzirem nada na área para a qual foram formados. 
Na segunda metade de Março de 1964 começaram a surgir rumores de golpe militar. 
Os graduados; sub-oficiais, sargentos e cabos, apoiavam o governo de João Goulart enquanto os oficiais eram contra. 
Sob a liderança de um colega gaúcho, Botelho, resolvemos criar um GRUPO DOS 11, propugnado por Brizola, para assumir o comando da Escola caso os oficiais se posicionassem a favor do golpe. 
Nossa determinação era seguir as orientações de Jango, Brizola e Miguel Arraes nossos líderes maiores. 
No dia 1º de Abril de 1964, estávamos trabalhando normalmente, quando fomos chamados para o pátio e, perfilados, ouvimos o Comandante comunicar que a partir daquele instante não havia mais expediente, que estávamos todos liberados e podíamos ir para casa. 
Até aquele momento não sabíamos o que estava acontecendo. Contente, peguei a minha Lambreta e fui para a praia da Barra da Tijuca. 
Por volta das quatro da tarde estava em casa sozinho, estranhando que os sete colegas que serviam em outras unidades e que moravam comigo na “República” em Marechal Hermes não terem também sido liberados. Estava ouvindo a Rádio Nacional quando escutei barulhos estranhos vindos do alto-falante, gritos e a emissora saiu do ar. Fiquei aguardando e, depois de alguns instantes, alguém dizendo-se Capitão dizia que o Exército havia tomado a Rádio, que o Governo havia sido derrubado e que o Presidente João Goulart estava em fuga. 
Vesti o uniforme imediatamente, peguei a lambreta e dirigi-me para a escola. Ao chegar na Vila Militar as ruas estavam tomadas por soldados fortemente armados, carros de combate, tanques de guerra e ninguém podia passar sem ser identificado. 
Consegui chegar à Escola onde já estavam muitos sargentos, todos desarmados, e os oficiais armados com revolveres, fuzis e metralhadoras. 
O comandante insistia que podíamos ir para casa que não havia nada para fazer na unidade. 
Os sargentos se reuniram e resolveram que não podíamos abandonar a Escola na mão dos oficiais. Desta maneira, oito sargentos se ofereceram para ficar de prontidão, eu no meio deles. 
Dormimos no alojamento ser ter uma única arma para nos defender se por acaso os oficiais resolvessem no matar enquanto dormíamos. 
No dia seguinte cada um foi para sua casa acompanhar os acontecimentos. 
Nunca entendi muito bem porque os noticiários das TVs informavam diariamente a cotação do dólar. Que nos interessava o valor da moeda americana? 
Já nos primeiros dias de Abril os noticiários informavam que o dólar tinha caído de Cr$ 3.000,00 para Cr$ 1.500,00 e que ia cair mais. Foi um Deus nos acuda, todo mundo querendo vender os dólares que possuía. 
Na mesma semana a revista Manchete saiu com uma foto na capa que mostrava um grupo de pessoas armadas na frente do Palácio Guanabara, sede do Governo do estado. A chamada de capa dizia: “Populares na frente do palácio para defender o Governador Carlos Lacerda”. No meio desses “populares” identifiquei um oficial, filho de General, lotado na EsCom, em trajes civis, com uma metralhadora na mão. 
Deduzi então que a EsCom além de servir como “geladeira” para sargentos, líderes em potencial, servia também para abrigar oficiais coniventes com o golpe. 
Alguns dias depois assisti pela TV, ao vivo, a tomada do Forte de Copacabana que ainda resistia aos golpistas. 
Consolidada a quartelada, Jango e Brizola no exílio, Miguel Arraes preso começamos a nos questionar como era possível um destacamento de Minas gerais ter conseguido chegar ao Rio de Janeiro sem encontrar a resistência do 1º Exército que era o mais poderoso do país. 
Em conversas com colegas das unidades de combate soubemos que no dia 1º de Abril eles foram convocados para deter o golpe no meio do caminho entre Minas e o Rio, mas foram enganados, foram levados para as florestas em volta do Rio de Janeiro e ficaram acampados mais de uma semana sem terem notícia alguma do que estava acontecendo. Só os oficiais é que sabiam o que estava se passando. 
Quando voltaram aos seus quartéis não havia mais nada a fazer. 
Em Julho de 1964 todos os 120 sargentos que estavam encostados na Escola de Comunicações foram designados para servir em quartéis de todo o Brasil. Foi então que percebi que fôramos deixados ali ociosos desde 1961 porque, devido às nossas capacidades intelectuais um pouco acima da média, seríamos líderes em potencial nos quartéis em que estivéssemos servindo e isto poderia criar dificuldades para a consecução do golpe. 
Quando fui ao Ministério do Exército na Av Presidente Vargas, no Centro do Rio, para receber a minha passagem aérea para o Recife para onde tinha sido designado, saltei do elevador em um andar errado e surpreendi-me com uma quantidade enorme de norte-americanos, em trajes civis, andando pelos corredores e ocupando várias salas. 
Desci um andar, peguei a minha passagem e alguns dias depois estava em Recife. 
No final de 1964 ou início de 1965 servindo no QG da 7ª Região Militar fui escalado num dia de sábado para ir a Fernando de Noronha fazer manutenção em alguns aparelhos de comunicação. 
Cheguei lá cerca das nove horas da manhã. Trabalhei até às três da tarde com um pequeno intervalo para o almoço. Terminado o serviço fui caminhar pela ilha conversando com um oficial que servia na ilha. 
Quando estava passeando avistei um grupo de homens caminhando acompanhados por outro oficial. 
“São subversivos que estão presos aqui” falou o oficial que estava comigo e citou os nomes dos quais recordo apenas de um, Miguel Arraes. 
Ao avistar Miguel Arraes naquela situação humilhante meus olhos encheram-se de lágrimas e tive que controlar a minha emoção para o oficial não perceber. 
Voltei para Recife às cinco da tarde apesar do oficial “boa praça” ter me pedido para ficar uma semana mais. Com certeza sentia falta de alguém para conversar, mas como eu fazia cursinho pré-vestibular em Recife preferi não faltar às aulas. 
Em Janeiro de 1969, desiludido com a vida militar, passei no concurso da EMBRATEL. Pedi demissão e fui trabalhar na empresa recém criada.



Ricardo B Ferreira
Recife, 17/02/04.



































































 


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