Se você for Alguém, saberá que esta carta é para você. Se você não o for, finja que é. E leia, se quiser, esta carta.
Esta carta está sendo pensada há muito tempo. Seria uma carta de apresentação pessoal e também uma carta de despedida. A mensagem seria duplamente surpreendente, porque você não está esperando que eu me apresente, desde que me conhece praticamente desde que nasci. Tampouco está esperando uma despedida, pois somos tão imanentes que uma despedida, prelúdio de separação, seria impensável.
Então, quê tipo de carta seria esta? Vamos por partes: seria uma carta introdutória à nossa memória comum; e seria também, pasmem leitores, uma carta de ruptura com nosso comum futuro.
Estou sendo misteriosa? Devo estar sendo, sim, mas você também é! Mistério sempre foi parte da sua personalidade que mais me fascinava - ir te descobrindo pouco a pouco, ir desfiando suas charadas, suas intrincadas charadas... ah como isto foi fascinante, por tanto tempo! Seu mistério me fascinou mesmo, mas agora, sinto dizê-lo, já enjoei. Coisa mais monótona essa de ficar tentando adivinhar o que você quer dizer, fazer, desfazer... TE deixo com teus mistérios.
E, agora, te mando uma despedida. De quê, perguntará você. Sempre perguntando, não é, sempre perguntando. E eu sempre tentando lhe trazer respostas - racionais, algumas; outras, nem tanto assim, pois me baseio muito na intuição, este órgão que não conhece a razão. Minha despedida é firme e sem apelo. Você não deverá tentar me fazer voltar atrás. Minha decisão é feita de tudo aquilo que me fez viver desde que nasci e que você acompanhou sempre, desde o primeiro dia em que soltei o primeiro grito. Provavelmente foi um grito de susto - daqueles que todos os bebês do mundo dão, ao se darem conta de que entraram neste mundo. Dei o meu primeiro grito e você ali perto, tão perto que quase ficou difícil distinguir eu de você.
Pois então, se chegou até aqui a sua leitura é porque você se sente o Alguém pra quem estou escrevendo esta carta. Mas sinto desfazer esta ilusão sua - o Alguém aí sou eu mesma.
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Érica Eye |
