Usina de Letras
Usina de Letras
277 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62165 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50574)

Humor (20028)

Infantil (5423)

Infanto Juvenil (4754)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140790)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6182)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Discursos-->O Discurso Proibido -- 30/06/2003 - 11:35 (Magno Antonio Correia de Mello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sr. presidente, sras. e srs. deputados, a possibilidade de instituição de fundos de pensão no âmbito da administração pública é um dos pontos centrais da proposta de reforma previdenciária apresentada pelo governo. Diante desse fato, seria muito oportuno que fossem esclarecidos alguns aspectos intrigantes relacionados ao assunto, até para que o Congresso Nacional possa apreciar a matéria com maior conhecimento de causa.

Em primeiro lugar, sr. presidente, tenho uma grande curiosidade acerca do processo de escolha de dirigentes de fundos de pensão. Alguns diretores da PREVI, fundo de pensão patrocinado pelo Banco do Brasil, eram, até o ano passado, eleitos pelos participantes de seus planos. Houve uma intervenção na PREVI e foi decretada a perda desse direito. O atual ministro da Previdência esteve entre os que mais protestaram contra a medida, alegando que o gesto era autoritário, que o governo da época queria evitar que os participantes fiscalizassem a gestão da PREVI e que tudo teria como resultado a manipulação dos recursos do fundo em prol de interesses escusos.

Pois bem. S. Exa., como se viu, hoje ocupa o mesmo cargo do qual era titular o Sr. José Cechin, a autoridade que determinou a intervenção. No entanto, já se passaram quase seis meses desde a posse do sr. Ricardo Berzoini no Ministério, e não ouvi, não tenho conhecimento, não se noticia nenhuma medida para reverter o processo e devolver aos empregados do Banco do Brasil a prerrogativa de eleger os dirigentes de seu fundo de pensão. O que houve, sras. e srs. Deputados? Não há mais necessidade de os participantes fiscalizarem a gestão da PREVI? A indicação dos dirigentes da PREVI sem processo eleitoral não é mais uma medida autoritária? Os dirigentes dos fundos de pensão dos servidores também não se submeterão a votos, cabendo ao ministro da Previdência ou ao presidente da República indicá-los de acordo com uma vontade soberana e absoluta, imune a questionamentos?

Há um outro tema muito relevante, e lamento estar importunando os nobres Pares por discorrer a respeito, mas é que o governo está pedindo ao Congresso que o autorize a implantar um imenso fundo de pensão, então é mais do que natural que sejam dissecados a forma e os critérios que poderão vir a ser aplicados na distribuição dos recursos desse fundo. Para que esta Casa possa avaliar o que se espera na administração da previdência complementar dos servidores, é preciso abordar um precedente muito ilustrativo, porque é de todo conveniente, tendo em vista que poderão acontecer episódios semelhantes envolvendo o fundo de pensão dos servidores, que tudo que se relacione a esse fato fique perfeitamente esclarecido.

Estou me referindo ao processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Como V. Exas. bem se recordam, o hoje senador Aloizio Mercadante resolveu interferir no respectivo leilão, estimulando a diretoria da PREVI a investir o dinheiro do fundo na compra da mineradora criada por Getúlio Vargas. Quando a imprensa revelou essa atitude inusitada, houve uma celeuma enorme, porque pareceu muito estranho o envolvimento do PT, tão avesso às privatizações, numa história desse calibre. De todo modo, o senador procurou se explicar e o motivo alegado mereceu o endosso do atual ministro da Previdência.

S. Exa. referendou as alegações do colega de partido de um modo curioso, coletivizando o que parecia ser um gesto isolado. Perguntado pela reportagem do jornal “O Globo” a respeito, o então deputado Ricardo Berzoini afirmou o seguinte, textualmente: “Foi uma ação política nossa para fazer com que a Vale ficasse em mãos nacionais, que foi o que acabou acontecendo”. Então se pode concluir que é possível questionar o ministro da Previdência sobre o tema, porque, conforme suas próprias palavras, não se tratou de uma ação individual, mas coletiva – e quando digo “coletiva”, refiro-me a um grupo ao qual o próprio ministro da Previdência reconhece que pertence.

Ocorre, sr. Presidente, que há muitos pontos obscuros sobre a questão. Será que o ministro da Previdência e o seu grupo ignoravam o comprometimento do sr. Benjamin Steinbruch, até hoje controlador da Companhia Siderúrgica Nacional, com o capital estrangeiro, mais especificamente com o Nations Bank, que financiou a expansão internacional da CSN, a principal integrante do consórcio vencedor? S. Exa. não tinha conhecimento das notórias ligações do Banco Opportunity, o tal das ilhas Cayman, com o sr. Pérsio Arida, outro integrante do consórcio vencedor, e deste com as movimentações do mercado financeiro internacional? S. Exa. não sabia que o grupo Sweet River, o último membro privado de primeira hora do consórcio vencedor do leilão, é na verdade o resultado da associação entre aquele mesmo Nations Bank e o conhecido especulador George Soros?

E mais, sr. presidente, sras. e srs. deputados. Ainda admitindo que tudo isso não fosse do conhecimento do ministro da Previdência e do seu grupo, como explicar que a PREVI tenha resolvido recentemente, já sob administração totalmente petista, permitir o ingresso da poderosa mineradora japonesa Mitsui no seleto grupo de co-proprietários da Vale do Rio Doce, se o que se pretendia era evitar que o capital estrangeiro assumisse parte do controle da companhia? Como, sr. presidente? Não há mais ameaça de desnacionalização da Vale ou o ministro da Previdência e seu aguerrido grupo não são mais tão patriotas assim?

Veja, sras. e srs. deputados, desculpem-me a franqueza, é um defeito que o criador me deu, mas essa história toda não convence nem um pouquinho. Diante de todos esses fatos, nem se eu acreditasse no Papai Noel e na cegonha poderia aceitar a explicação. E não me entendam mal. Não estou afirmando que o senador Aloizio Mercadante estivesse imbuído de péssimas intenções. Do que eu preciso, do que esta Casa necessita, o que todo o país exige é saber que intenções eram essas. Lamento muito, mas, diante de tudo que se sabe a respeito, é mais provável que o ministro da Previdência e o senador Mercadante estivessem tentando salvar as focas da Groelândia do que buscando evitar a internacionalização da Vale do Rio Doce.

Sobre esse episódio, tranqüilizo-me com a certeza de que S. Exa. saberá contar toda a verdade ao Parlamento, e estou certo de que as intenções do ministro e as do senador Mercadante, mesmo não sendo evitar a internacionalização da Vale, eram as melhores possíveis. O que não posso entender, sr. Presidente, é a razão de tanto segredo a respeito. Se não havia nada de errado no que estava sendo feito, e na razão pela qual estava sendo feito, por que durante tanto tempo o ministro da Previdência e o senador Mercadante não revelaram o que tinham feito ou tentado fazer?

E não é só isso que me incomoda. Ainda é o jornal “O Globo” que relata, em sua edição de 15 de maio de 2002, um esquisitíssimo diálogo ocorrido no Senado Federal. Na época em que tudo veio à tona, o senador Romero Jucá expôs sua indignação sobre a participação do então deputado Aloizio Mercadante na venda da Vale e o atacou da tribuna da Câmara Alta. O senador Tião Viana, presente em plenário, saiu em defesa do hoje colega de bancada, ao que o senador Jucá respondeu, segundo o jornal: “É guerra! Se vocês quiserem parar, nós paramos também!”

Ora, sr. presidente, que diabos significa isso? O que quis dizer o senador Jucá? O que faria com que todos parassem de investigar a todos? Que jogo de mútuo embaraço é esse? Por que estranha razão não se levou a fundo a investigação que, na época, tinha o então deputado Ricardo Berzoini como um de seus maiores defensores? Sim, sr. presidente, porque até que fosse revelada a participação do senador Mercadante em toda a confusão, o atual ministro da Previdência defendia, enfaticamente, uma ampla investigação sobre todos os envolvidos na privatização da Vale do Rio Doce. Quando as atitudes do colega de partido vieram a lume, não se ouviram mais demandas de sua parte nem oriundas dos outros membros do combativo grupo integrado por S. Exa., em defesa dessa antes tão almejada investigação. Por que, sr. presidente? Será que V. Exa. pode explicar aos que elegeram os senadores presentes naquela sessão as razões pelas quais todos são suspeitos e devem ser investigados, menos o sr. Aloizio Mercadante?

E veja, sras. e srs. deputados, por obséquio peçam ao governo que seja clemente com a inteligência dos membros deste Parlamento. Não permitam que se reproduza, pelo amor de Deus, o pretexto que se produziu na ocasião, no sentido de que o senador Mercadante só prestaria maiores esclarecimentos ao Legislativo se o então senador José Serra fosse igualmente convocado a depor. Perdoe-me, sr. presidente, mas não vejo e não consigo ver nenhuma relação entre um depoimento e outro. Será que era a isso que o senador Jucá se referia, quando propôs o silêncio de todos? A mim me parece, que, independentemente do que fizesse ou deixasse de fazer o ex-senador José Serra, teria sido muito melhor que o senador Mercadante se explicasse a este Parlamento, independentemente de convocação, e espero que S. Exa. possa aproveitar a repercussão do presente pronunciamento para revelar os verdadeiros motivos da iniciativa, que até hoje permanecem ocultos.

E mais uma vez me perdoem, mas não posso deixar de importuná-los, sras. e srs. Deputados, com uma outra indagação. Por favor, descubram alguém capaz de explicar à Câmara dos Deputados, a quem o ministro da Previdência pede que o apóie na criação de fundos de pensão, quais foram os motivos que levaram a PREVI, no ano passado, a multiplicar por três a sua já bilionária participação no mercado de ações, sem levar em conta que se tratava de ano eleitoral. Serão tomadas decisões tão temerárias quanto essa na gestão dos fundos de servidores públicos?

O mais grave é que o responsável por esse descalabro não só não foi punido como mereceu promoção. O diretor de participações da PREVI na época em que esse inusitado incremento dos investimentos em bolsa de valores ocorreu é hoje o presidente do fundo de pensão dos empregados do Banco do Brasil. Não lhes parece, sras. e srs. deputados, um prêmio bastante incoerente com dois anos seguidos de sérios e bilionários descompassos entre as despesas da PREVI e a sua arrecadação?

Por fim, gostaria muito que fossem confirmadas ou desmentidas as informações, colhidas de órgãos da imprensa, que dão conta de que o sr. Luiz Gushiken, um dileto amigo e correligionário do ministro da Previdência, é o responsável direto por uma extensa cadeia de nomeações. É preciso saber se é verdade que, conforme em diversas ocasiões noticiou a imprensa, decorreram de gestões do sr. Gushiken a nomeação do titular das pastas da Fazenda e da Previdência, a do secretário de Previdência Complementar, a dos membros do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, a dos presidentes e dirigentes de fundos de pensão das empresas estatais. Posso estar cometendo um grande equívoco, mas a verdade é que se torna inafastável a impressão de que houve um certo exagero em tudo isso. Deus queira que não sejam nefastos os propósitos, Excelências, mas é no mínimo muito preocupante que sobre determinada atividade de governo alguém se empenhe tanto em obter o controle, simultaneamente, da regulamentação, da fiscalização, do planejamento e da execução. Oxalá tudo não passe de uma feliz coincidência e não haja, como alguns podem vir a supor, nenhum movimento no sentido de uma suposta ou possível conspiração.

É isso, sr. presidente. Não tenho dúvidas de que o governo se sairá muito bem de todos esses questionamentos, e deixará a todos neste plenário encantados com sólidas e suficientes explicações. Afinal, não é só o nosso presidente que acredita que Deus, quando vê motivo para tanto, interfere nas nossas miudezas terrenas, ajudando os justos e atrapalhando os opressores.

De todo modo, enquanto a justificativa dos fatos que descrevi não chega, gostaria de convidá-los para o lançamento, a ocorrer na próxima terça-feira, às 18 horas, no espaço cultural Zumbi dos Palmares, do livro que originou o presente discurso. Chama-se A Face Oculta da Reforma Previdenciária, é assinado por um dos consultores legislativos da Câmara dos Deputados e descreve com absoluta exatidão as circunstâncias pavorosas em que se está pretendendo implantar um portentoso fundo de pensão patrocinado pelos cofres públicos.

Espero, sr. presidente, que esse importante e aprofundado estudo receba a ampla divulgação que merece. Não vislumbro outra maneira de escapar do imenso mar de lama que nos aguarda.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui