Uma vez, esperando o diabo dum trem que ainda não passou,
ouvi um velho bêbado soluçando dentro de mim
“a conta, desgraçado, a conta”
e meus olhos cheios de locomotivas impossíveis e vagões ausentes
encaravam sempre um gafanhoto imóvel
e o velho bêbado, com um imenso bafo de cachaça
“você morreu, cachorro, você morreu”
a pata do gafanhoto não se mexia, não se mexia
mas além de mim, e do velho, e do trem, e do gafanhoto
o som de uma caldeira
cada vez mais distante
um ruído de cachaça enlouquecedor
um grito de gafanhoto
e eu
pois afinal de contas
e apesar de tudo
me acho muito inteligente
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