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Contos-->Sorriso maroto -- 08/05/2018 - 00:32 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos







Absorta em seus pensamentos, Nathalie  esqueceu a turbulência pela qual passava a aeronave em que viajava. Levantou-se segurando no bagageiro, aberto e  destroçado; desviou de um corpo estendido no chão, dobrado, quase esmagado. O homem tinha um ferimento do lado direito e a cabeça perfurada por estilhaços pontiagudos como espinhos.
Leu novamente o poema que Fernão escrevera no verso do bilhete que ela deixou sobre o criado mudo, quando saiu de casa, há quase um ano, decidida a não mais voltar:
 
Olho o mesmo horizonte
Vejo nuvens, vejo montes
E um navio em alto mar
 
São meus olhos navegando
Meu coração sondando
Procurando, procurando...
 
Mas sem querer encontrar
Para que não encontrando
Continue a procurar.
 
 Revisitou cenários do Rio de Janeiro, guardados na memória de seu tempo de criança: o espetáculo da natureza de outrora,  fora interrompido por mãos humanas; obras da construção civil, tapumes na calçada, escombros, para que ali se construíssem um supermercado. Tudo novo na rua Almirante Cochrane,  mas a casa de Raquel permanecia como antes. 

 A lembrança do primeiro jantar com Fernão se lhe ressaltava na mente:   regras de etiquetas que prendem como rendilha cabrestante, e arrastam destros e canhotos numa mesma direção. Tolices... padrões que se não cumpridos, causam vexames.  Pobre Nathalie, não sabia como se comportar em restaurante frequentado pela nobreza.  E se recordava daquele dia como se fosse hoje: " Não como lesma!" dissera ela.
 
Raquel  tomou uma atitude de maternal condescendência.

— Também não como lesmas minha filha.
— Escargot não é lesma — interfere Fernão — Lesma não tem concha. Scargot tem. A tradução do designativo francês escargot é caracol: molusco comestível.  
— Não somos obrigados a gostar de pratos exóticos só porque uma minoria de privilegiados  diz que é de bom gosto comer escargot em Paris?
— Não estamos em Paris, acudiu Fernão que não gostava das tardes frias de Paris. 
 — Acho que sou um escargot que perdeu a concha, disse Nathalie, esboçando um sorriso maroto.

Raquel paga a conta. É hora de voltar pra casa.

Vai-se um dia e vem outro, enfim, dezenas de dias chegam e se vão. Sete anos casada com Fernão, viveu Nathalie. E sofreu agruras de milanos. Juliano, o filho esperado, não veio. Nem Mariana, sequer gerada foi. Se o boi não carreia o milho, o milho  não alimenta o boi.

— Não dá para pontilhar o tempo de outra forma? Não gosto deste salto no escuro. Muita coisa acontece no lapso de  sete anos. 
— Ora, Bob! Nas películas cinematográficas e telas de TV isso é possível, usando o artifício da maquiagem, para envelhecer os personagens, ainda assim, não dispensa a informação: Sete anos depois... Aqui não há outra forma, senão dizer se não conseguir narrar. Não sei como pontilhar o tempo de outro modo, ademais, só descrevo este fato para ser fiel ao desempenho de meu mandato. Mas, dói-me muito falar do amor que outra mulher sentiu por Fernão. O salto foi brusco, desculpe-me.
— Crie um ‘gancho’...
— Vou tentar uma palavra de mudança, mas pode ser que não dê o mesmo efeito.
Foi assim:
— Fazia sete anos que Fernão não dava manutenção em suas réplicas de peças da  marinha e aviação. "Não, assim não está bom..." E ela mesma corrigiu: "Tudo estava escrito no diário de Nathalie..." Com o diário dela   dá  para escreve um livro, mais épico que romântico...  Está escrito:  "Naquele dia, Fernão levantou cedo; varreu o enorme quarto que ele chamava de estaleiro, trocou algumas cordas da réplica do Sutton Hoo; poliu a gaivota que descansava no capelo; e retirou teias de aranha  do 14 Bis. Abasteceu o tanque da pequena aeronave, acionou os comandos, mas máquina não decolou. E ele quebrou quase todas as suas miniaturas, inclusive o Trovão Azul, alegando que o pai morrera depois de inalar dióxido de carbono liberado pelo motor da aeronave." Você é meu pai? Indagava Fernão a qualquer transeunte com o qual se deparasse na rua. Se a resposta fosse positiva, ele dizia nervoso: E cadê minha mãe? Se a resposta fosse morreu. Fernão se transformava no incrível Hulk.
 O pai de Fernão fora dado como morto. Morto ou desaparecido.
Robert se vê na pele de Fernão.

—Desaparecido ou morto, que diferença faz? Aquele dado por desaparecido, na maioria das vezes, é um morto cujo cadáver nunca foi encontrado. 
Yuri Pode ter morrido por causa do gás carbônico. Não é prudente funcionar motores  a combustão em ambiente fechado. Ainda que sejam apenas de miniaturas que voam.
Na história que Fernão idealizava em suas fantasias, o 
capelo em volta do pescoço, foi a causa mortis? Causa mortis do  piloto que comandava o  14BIS. O boneco  não estava na cabine de comando, mas em um canto à parte, com uma corda no pescoço. E o Trovão Azul  encontrava-se totalmente espedaçado.
Simulação de suicídio, concluiu Robert. Alguns suicidas constroem a cena de sua morte previamente, donde se pode concluir que o pai de Fernão suicidou-se e foi enterrado como indigente, ou está servindo de cobaia nalgulma faculdade de medicina.

— Não precisa explicar tanto, acode  Ravenala.  Deixe o leitor pensar. Não é isto que vens dizendo desde as primeiras linhas do Romance. O que se sabe é que Fernão também  foi dado como desaparecido. Oficialmente desaparecido. E isso é diferente de boato.
— Desaparecido ou morto, tanto faz...
—  Não se sabe com certeza, se Yuri morreu em acidente aéreo,  marítimo,  ou teve morte natural. " Acaso alguém sabe dizer de que  morreu um desaparecido?" Raquel morreu de infarto, e Yuri deve ter tido  morte presumível. É o que penso, mas não necessito de provas. Já disse isso antes. Ademais, um dia, todos morreremos.
Somos uma vela acesa no meio da tempestade. Vai-se um dia,  vem outro, e passam, velozmente, no calendário das horas. A aurora envelhecida se cansa. Já não há mais esperança: a contagem da vida é regressiva.

***

Trecho de "Estrela que o vento soprou.
 
 






Adalberto Lima




Enviado por Adalberto Lima em 08/05/2018


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