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Artigos-->O Sebastianismo no Brasil e Portugal -- 21/05/2001 - 18:51 (Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O Sebastianismo, doutrina salvacionista definida pela espera do messias, de uma espécie de pai da pátria que vem redimir o país e o povo de uma situação desfavorável, é uma crença enraizada no imaginário do povo português desde pouco depois do desaparecimento do rei Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir (1578).

A questão a ser desenvolvida no presente trabalho é comprovar a presença do messianismo no Brasil. Além dos episódios de Pedra Bonita e de Canudos, ocorridos no Nordeste do Brasil, quero registrar as semelhanças entre o messianismo da doutrina divulgada por Plínio Salgado (1895-1975), e o Sebastianismo português.





Trajetória do Mito Sebástico em Portugal





O jovem rei Dom Sebastião foi desde seu nascimento a única esperança portuguesa de restauração da antiga glória. Era intitulado “Desejado”, por ter nascido após um tempo em que o futuro do reino estava incerto devido à ausência de descendentes.

O reino vivia um momento de decadência, com ascensão de outras potências no cenário europeu. A retomada, esperava-se, seria com o rei menino. Como explica José Van Den Besselaar:



O sebastianismo é uma espécie de Messianismo. Na acepção secularizada de hoje, a palavra ‘Messianismo’ designa geralmente a cega fé das massas populares num líder político, julgado capaz de acabar com os abusos existentes e de inaugurar uma nova era de bem-estar geral. Seria um anacronismo se interpretássemos o sebastianismo dos séculos passados neste sentido. Sem dúvida, aos sebastianistas não faltavam nem a fé obstinada na vinda de um imperador carismático, nem a esperança inabalável no estabelecimento de uma nova ordem política e social. Mas essa fé e esperança estavam, para eles, integradas numa visão nitidamente religiosa da história.



Dom Sebastião, enquanto viveu, pouco fez para despertar entusiasmo popular. Pouco ligado às mudanças que a Europa passava, que já anunciavam a Idade Moderna, Dom Sebastião vivia ainda na Idade Média. Viveu a vida inteira em castidade, negando-se a dar novos herdeiros para o país. Era religioso convicto e via com horror o avanço dos Turcos Otomanos, que entravam pela Europa através dos Bálcãs.

Sampaio Bruno recapitula o que disse o médico Manuel Bento de Sousa a respeito do que aconteceu nos anos anteriores ao reino de D. Sebastião:



No casamento de D. Maria com Filipe II, D. João III, por influências, indirecta de Carlos V e directa de sua mulher, não só dera o passo impolítico de ceder para a Espanha um dos dois fiadores, que só tinha para a sucessão portuguesa, mas fizera mais, o imbecil - estipulara que, se ele D. João III se achasse sem herdeiro masculino, a coroa passaria para D. Maria, e portanto para Castela. (...) Eis aqui porque, logo ao nascer, o rei desejado é alvo do amor dos portugueses, e da fé no seu destino, para todos isento das leis comuns.



O desejo de ampliar a fé e o império se intensificou no reino de D. Sebastião. Partindo para a conquista da África, D. Sebastião pretendia continuar o expansionismo português anexando o Marrocos. O fracasso resultou estrondoso. A batalha foi perdida e o próprio rei desapareceu em meio aos combates. Depois de um interlúdio o reino teve de ceder às imposições do reino de Castela. E ainda obrigado a pagar um oneroso resgate aos mouros vitoriosos para conseguir trazer de volta os milhares de soldados aprisionados.

Na época do nascimento de D. Sebastião, o poeta Bandarra, sapateiro de Trancoso que escrevia trovas muito populares, incluiu entre suas criações uma quadra sebastianista. Besselaar explica:



Bandarra, compartilhando com os seus compatriotas o entusiasmo pelo nascimento do “Desejado”, acrescentasse às suas trovas uma quadra ‘sebastianista’, que, naturalmente, falta na edição ‘joanista’ de 1644, mas ocorre em diversos manuscritos (...). Uma figura estranha e trágica , esse D. Sebastião! Atrofiado na sua vida afectiva (o que talvez se explique pela falta de ternura maternal na sua meninice), treinava-se, desde cedo, em exercícios físicos (era óptimo cavaleiro e bom caçador) e ascéticos (era piedoso e casto). Destituído de qualquer realismo, andava alheio às grandes necessidades da nação, como também ao espírito da época em que a Europa acabava de entrar (...). Extraviado, sonhava com actos de bravura cavalheiresca e com louros militares, sobrestimando as suas forças. Não se lhe pode negar certa grandeza e certo idealismo, mas essas boas qualidades eram comprometidas por grande dose de teimosia, fanatismo e egocentrismo.



A ambição do jovem rei teve conseqüências desastrosas. O seu exército foi destruído nos campos de Alcácer-Quibir . A pior desgraça foi o seu desaparecimento e a captura de milhares de prisioneiros.

D. Sebastião deu prioridade às conquistas africanas depois que os mouros tinham recuperado uma parte das praças-fortes do Norte da África. Como disse dele José Matoso:



Senhor da sua vontade, não encontrou quem soubesse evitar a sua ida a Marrocos em 1578. A sua valentia física e a preparação militar pessoal não lhe deram qualidades de comando em campo, de que precisava. Por isso se ficou na jornada de África.



A expedição no Marrocos encontrou várias resistências, inclusive de Filipe II de Espanha, que, no entanto, não fizeram o jovem rei mudar de idéia. Uma vez em África, sofreram uma fragorosa derrota, estando em falta de bons comandos, de meios e combatendo em inferioridade numérica. O próprio rei D. Sebastião desapareceu sem deixar descendentes, embora tenham surgido algumas pretendentes, como uma filha do imperador alemão, uma nobre francesa, uma castelhana da família dos Áustrias.

Em seguida ao desaparecimento de D. Sebastião, o país foi governado por uma regência, a do Cardeal D. Henrique, e em seguida veio o temido domínio espanhol. Portugal decaiu de império a país ocupado. O povo, órfão e incrédulo, criou a lenda sebástica.

A mitificação de D. Sebastião o tornou um símbolo de nacionalismo, um “estandarte da portugalidade”. Segundo Germano de Almeida:



Símbolo de patriotismo, a figura de D. Sebastião foi aproveitada pelo Estado Novo para exaltar os seus valores nacionalistas. O regime ditatorial derrubado em 1974 servia-se, na sua propaganda, da imagem de D. Sebastião, juntamente com a de D. Afonso Henriques - o pai da nacionalidade portuguesa - equiparando-os a Salazar. Estas três figuras apareciam como os “salvadores da pátria” (...). É arriscado definir sentimentos, mas pode dizer-se que o sebastianismo consiste no mito de algo de superior que, a qualquer momento, poderá chegar de um lugar incerto, para salvar tudo o que há de mau dentro da dura realidade.



Como a Espanha era uma potência, o domínio de Castela foi imposto no ano de 1581. Mas em Portugal um fenômeno acontecia. Ninguém vira D. Sebastião morrer. Ele simplesmente desaparecera. Em Portugal apareceram dois aventureiros dizendo ser D. Sebastião e outros dois vieram de fora do país, ambicionando o trono. Em vão: o domínio de Castela se impôs inexoravelmente. A vontade de ter um rei nacional não se apagara, no entanto:



Neste clima de nacionalismo extremado deu-se uma coisa notável. D. Sebastião, que durante a sua vida nunca fora uma figura muito popular, foi aos poucos reabilitado, apesar de ser o grande responsável pela perda da independência. Não só reabilitado, mas até mitificado. Durante sua vida não conseguira realizar o seu grande sonho de se ver coroado imperador da África. Depois da sua morte, a imaginação do povo metamorfoseou-o no Monarca mítico de um Império não menos mítico.



O reino de Portugal desenvolvera, antes do ciclo de descobrimentos e navegações, a crença de que o povo português era o povo eleito:



No reinado de D. João I deu-se a tomada de Ceuta, a primeira fortaleza conquistada aos infiéis fora do continente europeu. Neste clima de euforia nacional nasceu a lenda de que Cristo teria aparecido a D. Afonso Henriques no campo de Ourique, lenda que ilustra o lugar privilegiado de Portugal entre todas as nações cristãs e que, mais tarde, ampliada com elementos nitidamente messianistas, acabou por constituir um dogma fundamental do credo lusitano. À conquista de Ceuta se seguiram as espantosas viagens marítimas, que, no fim do século XV, foram coroadas com o descobrimento do caminho marítimo para a Índia e do Brasil, e com a construção de um grande Império colonial no Oriente e no Ocidente (...). A este período de ‘ufanismo’ pôs termo a aventura de D. Sebastião, que teve por conseqüência a perda da independência. Mas a humilhação não tardou a reavivar o messianismo do povo português, que não queria abandonar o seu antigo sonho (...). Deu-se o milagre da Restauração em 1640, que a muitos parecia iniciar a era das grandes felicidades. Mas, passados alguns anos, a recuperação da autonomia nacional deu provas de não ser o início do Império Mundial: Portugal perdera uma grande parte das suas colônias, e teve de contentar-se com um papel muito modesto na cena política européia.



O Sebastianismo português pode ser definido como um messianismo que crê num Enviado de Deus que viria salvar o povo oprimido e restituir a glória passada. O messianismo assim esboçado é um anseio de uma salvação que se situa no presente, com a chegada de um salvador da pátria.

O messianismo provavelmente se alimenta da cultura judaico-cristã. O termo “messias” é de origem bíblica e as esperanças messiânicas sempre se ancoraram nos livros sagrados.

O povo português sofreu com a defasagem entre o sublime ideal e a realidade triste desde o século XVII. A história portuguesa se constitui de grandes esperanças cruelmente frustradas desde 1578. Há a teoria do historiador Oliveira Martins de que Portugal teria desaparecido em 1581 e aquilo que reapareceu em 1640 seria mero arranjo da política européia. Portugal tinha esperanças de retomar a antiga glória como povo eleito e pioneiro, mas se via sempre frustrado e impotente. O século XIX foi o mais desastroso para Portugal: o país foi invadido pelos franceses, perdeu o Brasil, tentou sem sucesso construir um grande império africano, sofreu um ultimatum inglês e a monarquia entrou em crise com as pressões republicanas e liberais. As esperanças vinham sempre na figura do Rei Menino, o Encoberto:



Com efeito, D. Sebastião era o Encoberto: encobrindo sua identidade, andava pelos desertos, visitava os lugares santos ou vivia numa ilha misteriosa, donde havia de sair um dia, purificado pelo sofrimento e pela penitência. Assim foi nascendo a imagem de um D. Sebastião idealizado, pelo que podia tanto ser o herói de um romance de cavalaria, como a figura de uma hagiografia.



Algumas décadas depois da Restauração (1640), que muitos viram profetizada nas trovas do Bandarra, continuaram a circular várias profecias que prometiam para Portugal um Império Mundial, ao qual Portugal forneceria a cabeça, na pessoa do Encoberto. A figura do Encoberto era individualizada em D. Sebastião. O Sebastianismo se revigora cada vez que uma esperança se frustra

Um certo Inácio de Guevara, figura obscura, deixou um poema chamado Monarquia Lusitana, que trazia a explicação para o fato de D. Sebastião continuar em vida após tanto tempo: assim como o profeta Elias , o apóstolo João e o patriarca Enoch, D. Sebastião teria recebido de Deus uma missão que lhe permitiu prosseguir vivendo. E ele estaria numa ilha brumosa, cercada pelas ondas do oceano. Esta imagem da “Ilha Encoberta” é recorrente entre os sebastianistas. Existiram relatos de encontros com o rei numa ilha cercada de nevoeiro. Num destes D. Sebastião pedia para que os marujos o levassem de volta à África, de volta a Alcácer-Quibir, demonstrando necessidade de voltar ao palco de sua grande desgraça. Das Hespérides a Robinson, dizia Michelet, todo mistério do mundo está nas ilhas. Desde Platão, que esperava realizar sua República na ilha da Sicília, muitas esperanças se depositam em ilhas. Os portugueses já às vezes identificavam a “Ilha Encoberta” com uma das “Ilhas Afortunadas”, já mencionadas pelos Antigos, com a “Ilha de São Brandão” da lenda medieval ou com a Ilha das Sete Cidades, que teria sido colonizada por bispos das Espanhas quando da invasão árabe.

O mito sebástico sobrevive, ganhando força a cada derrota ou humilhação sofrida pelo pequeno país. A invasão napoleônica de 1808 foi um reforço para o mito. Muitos portugueses iam às praias nas manhãs de nevoeiro para esperar o Desejado, que viria expulsar os franceses. Pouco tempo antes o Sebastianismo fora bastante perseguido pelo Marquês de Pombal, que em seu zelo de modernizar o país declarou guerra às antigas superstições. O império napoleônico, por suas características burguesas, revigorou o messianismo, identificando as idéias burguesas e iluministas com a dominação estrangeira e o Sebastianismo com a nação e suas glórias do passado:



Para os sebastianistas, o Império burguês criado pelo génio militar e organizador de Napoleão deveria ser um horror, fundado, como estava, em alicerces autonomamente humanos que restringiam a religião ao sector da vida privada. Era, para eles, a profanação do Império Sacral com que sonhavam, como a pessoa de Bonaparte lhes devia parecer a negação da grande figura do seu rei Encoberto, uma espécie de Anti-Imperador de caráter diabólico.



Para José Van Den Besselaar, o Sebastianismo teria acabado no século XIX. Ele argumenta que as condições sociais e culturais introduzidas com a Revolução de 1820 teriam encerrado tal fenômeno. No entanto, é no fim do século XIX que o Sebastianismo será identificado por Euclides da Cunha no Brasil e, simultaneamente, dará entrada no mundo literário e intelectual português, sendo apresentado como uma saída para o país.

A análise de Besselaar delimita o sebastianismo propriamente dito como um fenômeno popular, negando que manifestações posteriores fossem dotadas de autenticidade. No entanto, uma nova eclosão do Sebastianismo ocorre no século XX adentro, nas obras de Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa. Observemos este poema de 1922, de Teixeira de Pascoaes:



Ó meu rei de fantástica memória

Passo a vida a rezar a tua história

Tão verdadeira

E sobrenatural...

Eu rezo a tua infância aventureira

Tua morte num trágico areal.

Rezo a tua existência transcendente

Numa ilha de névoa, ao sol nascente

Encantada nos longes da Natura...

E rezo a tua vinda anunciada,

Dentre as brumas daquela madrugada

Que virá dissipar a noite escura.



É bom assinalarmos também que no mesmo ano em que o livro Os Sertões de Euclides da Cunha é publicado (1902), em Portugal o poeta António Nobre publica Despedidas, livro de claro conteúdo profético e sebástico. D. Sebastião continuava, portanto, presente na cultura portuguesa na época de Euclides. Infelizmente, 1902 foi também o ano da morte do autor de Os Sertões, que não teve tempo de avaliar o fenômeno da renascença sebástica na literatura e outras artes portuguesas.





O Mito Sebástico no Brasil





O mito sebástico impregnou a literatura portuguesa, tendo se manifestado sucessivamente em vários autores, com diferentes abordagens. Esteve presente nas obras de Bandarra, Vieira, Garrett, Antônio Nobre e prosseguiu até a época contemporânea com Fernando Pessoa. O Sebastianismo, em última análise um movimento messiânico, encontrou equivalentes em movimentos messiânicos brasileiros, alguns dos quais citavam o nome do rei D. Sebastião, outros assinalavam a espera do monarca salvador. Vários escritores brasileiros escreveram sobre estes movimentos ou manifestações messiânicas: Euclides da Cunha, Plínio Salgado, Luiz da Câmara Cascudo.

Euclides da Cunha (1866-1902) ao narrar o movimento de Antônio Conselheiro no sertão baiano, irá analisá-lo como um Sebastianismo tardio. Homem de espírito republicano e positivista, tenderá a ver nesta crença um anacronismo, um sintoma de atraso. Enviado ao Nordeste para cobrir a guerra de Canudos, Euclides notou o messianismo e as evocações sebastianistas de Antônio Conselheiro. Ele também vai relatar um episódio semelhante ocorrido em Pedra Bonita, sertão de Pernambuco, em 1837, registrando-o no épico Os Sertões.

Julgo também notar a presença do messianismo na obra O Esperado (1929), de Plínio Salgado. Na obra de Plínio Salgado, como no Sebastianismo, estará presente o componente messiânico.

Para Plínio Salgado, as esperanças não devem se encarnar na figura de um determinado homem, mas em um movimento, num grupo com determinadas idéias. É este grupo de “médiuns da nação” quem tem as respostas para a nação num período de agitação social e crise política. Sua política é mística e seu misticismo é político, assim como para os sebastianistas.

Euclides da Cunha caracteriza a religiosidade sertaneja como uma religião mestiça e a define como vestígio de crenças primitivas, sobrevivendo anacrônicas no Sertão:



O povoamento no Brasil fez-se, intenso, com D. João III, precisamente no fastígio de completo desequilíbrio moral, quando ‘todos os terrores da Idade Média tinham cristalizado no catolicismo peninsular’.

Uma grande herança de abusões extravagantes, extinta na orla marítima pelo influxo modificador de outras crenças e de outras raças, no sertão ficou intacta. Trouxeram-na as gentes impressionáveis, que afluíram para a nossa terra, depois de desfeito no Oriente o sonho miraculoso da Índia. (...) E da mesma gente que após Alcácer-Quibir, em plena ‘caquexia nacional’, segundo o dizer vigoroso de Oliveira Martins, procurava, ante a ruína iminente, como salvação única, a fórmula superior das esperanças messiânicas (...). Imóvel o tempo sobre a rústica sociedade sertaneja, despeada do movimento geral da evolução humana, ela respira ainda na mesma atmosfera moral dos iluminados que ençalcavam, doidos, o Miguelinho ou o Bandarra. Nem lhe falta, para completar o símile, o misticismo político do sebastianismo. Extinto em Portugal, ele persiste todo, hoje, de modo singularmente impressionador, nos sertões do norte.



Comenta a respeito desta visão Nelson H. Vieira:



O tratamento do sebastianismo na obra Os Sertões, de um lado, põe em paralelo características mútuas das culturas lusitana e brasileira mas por outro, condena a influência portuguesa sobre a brasileira; e acaba por caracterizar esse fenômeno no Brasil como uma manifestação original e singular na cultura nacional. Assim descrito, este exemplo serve para ilustrar a noção de que, no início do século XX, enquanto procurava o seu próprio caminho e destino nacionais, o Brasil via-se cada vez mais independente e separado de Portugal.



A hipótese de Euclides da Cunha e a sua visão do Sebastianismo são igualmente contestadas por Paulo Fernando da Motta de Oliveira:



Certamente, se nos lembrarmos aqui da hipótese básica de Euclides da Cunha, de que foi o insulamento do sertão nordestino que permitiu a permanência do messianismo e do Sebastianismo nesta região, podemos verificar que Oliveira Martins, apontando uma permanência secular do mito sebástico em Portugal, não poderia ser incorporado pelo autor de Os Sertões. (...) Os Sertões é um manifesto anti-sebástico, já que Euclides da Cunha considerava que o Sebastianismo só poderia ser considerado como algo anacrônico, inconciliável com o tempo cultural que caracterizava o final do século XIX. Certamente não é isto o que a cultura portuguesa, com a nova metamorfose do mito sebástico que ocorre nos primeiros decênios deste século, demonstra. D. Sebastião ainda tinha, como já o dissemos, uma missão por cumprir para esta cultura. (...) A explicação que dá para o messianismo nordestino está intimamente vinculada com a imagem que Euclides da Cunha cria, em seu livro, do Brasil: um país cindido em dois, em que um litoral em contato permanente com os centros mais avançados está justaposto a um interior que mantêm práticas culturais que possuem três séculos, um litoral moderno ao lado de um interior anacrônico.



Motta Oliveira também vincula o messianismo nordestino àquela corrente Sebastianista que acredita no regresso de D. Sebastião, rei que ficou encantado desde a batalha de Alcácer-Quibir. Tanto nas profecias achadas em Canudos quanto no incidente de Pedra Bonita um rei surgiria com todo o seu exército: em Pedra Bonita seria preciso desencantá-lo com o sangue das crianças, em Canudos ele surgiria do mar para destruir a ordem injusta, caracterizada como a República em ambas e como também a Igreja Romana no caso da profecia de Pedra Bonita.

No Dicionário de Folclore, de Câmara Cascudo, a palavra “sebastianismo” remete aos seguintes nomes: “João Maria, José Maria, Touro Encantado, Pai Véio”, aparentemente, manifestações correlatas ou próximas. Diz-se do Touro Encantado:



Na praia dos Lençóis, entre os municípios de Turiaçu e Curupuru, no Maranhão, nas noites de sexta-feira, não havendo luar, aparece um grande touro negro com uma estrela resplandecente na testa. Quem estiver na praia será tomado de um pânico irresistível (...). Quem tiver a coragem de ferir o touro na estrela radiante vê-lo-á desencantar e a aparecer El-Rei D. Sebastião. A cidade de São Luís do Maranhão submergir-se-á totalmente, e diante da praia dos Lençóis emergirá a Cidade Encantada, onde o rei espera o momento de sua libertação. Na praia dos Lençóis é proibido pelos pescadores levar-se qualquer recordação local, que tenha sido colhida na praia ou n’água do mar, conchas, estrelas, búzios, algas secas, etc. Tudo pertence a El-Rei D. Sebastião e é sagrada sua posse.



Dentre os verbetes, esse é o único que se trata de outra versão do mito sebástico, segundo a qual D. Sebastião está preso numa cidade encantada, submersa como uma Atlântida, e o guardião da cidade aparece na forma de um touro misterioso, que faz lembrar a lenda do minotauro da ilha de Creta.

Outro texto fala a respeito do surgimento de um messias na região do Contestado, no sul do Brasil:



[Pai Véio] era o indivíduo que se dizia a reencarnação de São João Maria de Agostinho, ou melhor, o São João ressuscitado, no início do fanatismo do Contestado. Muitos jagunços presenciaram o fenômeno da ressurreição, que se efetuou no interior de uma grande pedra, e o famigerado Deodato ficou sendo Chefe, por ter sido o primeiro abençoado pelo Pai Véio, no momento em que a pedra rachou no meio.(...) [O monge João Maria] deixou fama imorredoura, e que se estende até fronteiras do Rio Grande do Sul. Desapareceu sem notícias e ninguém acredita ainda hoje na sua morte. Alguns fiam que ressuscitou [na figura do Pai Véio] e que está vivendo na serra do Taió, de onde voltará para ver o seu povo fiel.



O que podemos notar acima é que características do mito sebástico se repetem nessas lendas brasileiras, tais como a visão sacral do mundo e a crença na volta do líder, confirmada pela ressurreição.

De um material semelhante se alimentou o dúbio messianismo que permeia o romance O Esperado, de Plínio Salgado, tem elementos que possibilitam que um paralelo com o Sebastianismo seja traçado. O enredo se passa nos dias agitados do final da década de 20. Num ambiente de crise social e política, um “Club” de intelectuais e artistas se reúne e especula sobre o destino do país. Salgado tenta captar principalmente os vários aspectos da capital paulista nesta época. Uma grande negociata entre dois capitalistas, Mr. Sampson (inglês) e Sr. Hyggins (norte-americano), agita os ânimos na cidade. A burguesia paulista, em plena prosperidade cafeeira, aceita acordos comerciais que lesam a soberania nacional; Rodrigo Jorge, filho desta mesma oligarquia, à última hora resolve se opor ao projeto inglês, fazendo jus a seus antepassados bandeirantes. Como nota Augusta Garcia Dorea:



Os freqüentadores do Clube Talvez é que percebem, na multidão, e procuram interpretar, a atitude de espera ainda inconsciente e o estado de angústia. Nesse Clube reúnem-se as mentalidades mais diversas (...) Todos esses, entretanto, estavam unidos num ponto: esperavam juntos ‘alguma coisa’ que mudasse a face da vida. Mas essa espera é consciente, meditada e refletida.



O capítulo O Ofício das Trevas traz a seguinte epígrafe: “...Até que chegue o Desejado, serão multiplicadas as angústias, e a pátria terá, como nos velhos ritos, o seu Ofício de Trevas!” (SALGADO, 1931, p.260)

Como na crença messiânica lusa, o país passa por uma crise social e o messias virá, apontando para uma salvação aqui e agora e para um futuro glorioso. Como o passado português foi de glória, ainda que efêmera, lá o messianismo promete a retomada deste brilho. No Brasil, como o passado é insatisfatório, o presente dá a sensação de incompletude e o futuro é incerto, o messianismo que aqui floresce aponta para a renovação da mentalidade nacional, que nos trará um futuro que fará jus à nossa extensão territorial e riquezas naturais. Como o nosso passado desautoriza uma avaliação eufórica de nós mesmos, Salgado escolhe cuidadosamente do passado remoto uma referência heróica, que mitifica: os Bandeirantes. E não toma o messianismo luso como um modelo a ser seguido, como veremos mais adiante. Salgado escreveu o romance histórico A Voz do Oeste, ambientado no século XVII. Menosprezando o fato de que os Bandeirantes eram colonizadores oriundos de Portugal, Salgado os toma, sem maiores discussões, como símbolos do nacionalismo. Curiosamente, identifica os Bandeirantes com o povo paulista. Seu movimento político floresceu em todo país, mas se concentrou especialmente em São Paulo.

O personagem Marcos, intelectual do Clube Talvez, nota o seguinte: “- É preciso criar-se o ambiente para a revelação de forças novas. Há forças novas que querem o seu lugar de ação. Há vozes novas que querem falar. Energias obscuras que desejam despertar”.16 A chegada do messias está no ar, é pressentida por alguns poucos. O pintor Bauer já a configura:



--É da anulação, pelo atrito, de todos os personagens, que deverá sobressair o personagem maior...Bauer pusera na massa cinzenta, escura, de planuras onde ondulavam cômoros imprecisos e sombras de árvores sem individuação; um céu de nuvens pardas, pardas, de traços horizontais opressivos: tudo como num terceiro plano. Ao centro, destacada com a nitidez das silhuetas estampadas sob a projeção de um sol equatorial, uma sombra, como uma cabeça, um cavaleiro na lua, de um negro liso, que tornava mais indistinto o fundo largo. As linhas do contorno eram nítidas, mas sem expressão, sem o comentário explicativo dos detalhes. Por baixo, Bauer escrevera: ‘O Esperado’.



O romance põe as expectativas da vinda do Esperado no presente, mas não na figura de um homem, um político que viria deflagrar uma mudança mais ampla. O messianismo de Plínio Salgado é um “messianismo plural”, ele profetiza um movimento político. A narrativa deixa tudo insinuado, nebuloso, incerto. O salvador esperado pode ser Rodrigo Jorge, político que, inspirado pelo Anhangüera (o bandeirante Fernão Dias Paes Leme) se rebela contra a política submissa aos interesses internacionais das oligarquias e adota uma postura nacionalista. Rodrigo Jorge é o homem que retoma suas raízes, levado a tomar uma postura heróica que visa a renovação futura, misteriosamente inspirado por seu antepassado, que sintomaticamente é evocado com o nome que os índios lhe deram.

O Anhangüera é o personagem mítico que Salgado utiliza para remeter a um passado remoto, época dos Bandeirantes, tempo que ainda inspira, segundo ele, os brasileiros, e fazer deste mito uma apropriação. Na obra do escritor modernista, a referência aos índios remete à crença modernista de que o elemento autóctone é o verdadeiro representante de nossa nacionalidade.

Anhangüera foi o bandeirante que os índios tomaram como um enviado de Deus quando este pôs fogo ao álcool (que os selvagens confundiram com a água). O messianismo exposto em O Esperado nega sua origem no passado lusitano e encarna em uma misteriosa postura política coletiva:



Evangelino Tupan, acreditava, como Bauer e os amigos do Clube Talvez, na aparição misteriosa do Esperado. Mas, para ele, não era um homem, a transplantação do velho messianismo lusitano: era um voz. Faltava uma voz na tormenta do mundo.



O messianismo brasileiro propriamente dito assumiu a forma de um movimento popular em Canudos e em Pedra Bonita. A doutrina de P. Salgado também gerou um movimento político nos anos 30, de natureza bastante diversa dos movimentos anteriores. Embrionária no Esperado e em outros romances, assumirá alguns anos mais tarde a dimensão de uma verdadeira catequese nacionalista e católica. O movimento político liderado por Plínio Salgado nos anos 30 ficará na história como o famigerado nacionalismo integralista. O Brasil estava à beira de uma década de mudanças que se anunciavam, o que a ficção de Salgado deste momento reflete:



Quarenta milhões de seres andando. Oitenta milhões de pés, movendo-se, lerdos e pesados, mas inflexíveis e insistentes.

-Escutem...Há um rumor de passos...O Brasil está andando...São multidões que crescem de todos os lados. Não são barulhos do mar, nem das florestas, nem do vento. Ouço passos andando...

Capítulo XXXIX

?

Para onde?



Finda a trilogia com o Cavaleiro de Itararé, Plínio Salgado escreveu A Voz (sic) do Oeste, onde o Sebastianismo entra como tema central: anos após a perda de D. Sebastião, os habitantes de Piratininga organizam uma bandeira.

A aventura do bandeirantismo é explicada como a conjunção de dois messianismos, o tupi e o português. Os tupis em seus rituais ouviram a “voz do oeste”, e os portugueses o apelo do seu rei lendário e fantasmal, o Encoberto:



Um povo que, desde o Infante D. Henrique, iria ter, durante mais de dois séculos, por império territorial os mundos desconhecidos, era forçoso que tivesse, agora e para sempre, um Rei-Fantasma (...). Um Rei, tão vago como esse futuro vago em que se imprecisavam os contornos de uma nação enorme, gigantesca, filha da pequenina nação. Um rei cujos caracteres fisionômicos se perderiam de tal forma que não se distinguiria mais dentre os embusteiros que surgissem a reclamar-lhe os títulos, e que, nisso, era parecido, identificava-se mesmo com um Povo que estava nascendo do outro lado do Mar Oceano, a compor a sua fisionomia sobre os destroços das linhas apagadas de três raças.



Há, neste livro de Salgado em que ele pretende com sua arte recriar a história, uma versão bem singular do mito sebástico. A restauração do rei legítimo e a descoberta de uma identidade nacional brasileira são entrelaçadas nesta busca das origens que marca o modernismo dos anos 20/30 onde se insere.

A indefinição do monarca português no período da união ibérica se assemelha, dentro desse romance histórico, à indefinição do povo brasileiro, formado por três raças diferentes. O imaginário português e o indígena se unem, gerando um embrião da nação brasileira:



Quando o sangue tupi, que dorme no recesso das veias do mameluco, pensa que está regressando, no rumo de Potosi e do chaco boliviano, ele está servindo de dínamo para eletrizar o sangue do branco (...). Por isso é que a lenda profética do nheengatú selvagem dissera que a filha da Cobra Grande esposara um príncipe. O príncipe era o ‘Encoberto’. A filha da Cobra Grande, a raça forte da linda terra (...).

-Não há como duvidar (continuou Nicolau); El-Rei Nosso Senhor nosso legítimo monarca se encontra prisioneiro no Vice-Reinado do Peru. (...) - El Rei teria aparecido na própria corte de Madrid, disfarçadamente. Dali teria descido a Sevilha, onde se apresentou na qualidade de simples homem do povo. Engajou-se como marujo, num barco prestes a levantar ferros para Buenos Aires (...). Naturalmente o Infante pensava extraviar-se ali e arranjar meios de ir à Terceira, onde se lutava sustentando D. Antônio, o Prior. Tinha intenção, por certo, de se apresentar e revelar-se. Não se sabe se houve traição da gente do Prior, ou se má fortuna na empresa, o certo é que D. Sebastião veio ter a Buenos Aires e, depois, ao Peru (...). O Príncipe foi posto a trabalhar nas minas, com os índios (...). Um judeu que esteve muito tempo no Peru levou a nova a Portugal. Confiou-a ao frade Miguel dos Santos, o qual ficou de agitar o povo, para não deixar amortecer a esperança da volta do Desejado (...). Enquanto isso, iremos nós procurar o nosso rei.



A união ibérica assinalou a decadência de Portugal enquanto potência mas foi, segundo Salgado, o momento fundamental, o ponto de virada da história do Brasil. Quase como se a glória do povo eleito e pioneiro se transferisse agora para a província de Piratininga, a união da península ibérica permitiu a superação das fronteiras do tratado de Tordesilhas e a aquisição de vastos territórios a oeste pelos portugueses. Esta vastidão territorial formaria a nação enorme, gigantesca, um “país-continente”, a nação brasileira, para a qual Plínio Salgado profetizou um futuro grandioso.









Resumo









O artigo faz um breve histórico do sebastianismo em Portugal, para depois avaliar as versões do mito sebástico, centrando-se na obra de Plínio Salgado. A presença do mito na literatura brasileira é localizada nas seguintes obras: no Dicionário de Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, no romance O Esperado e mais claramente no romance histórico A Voz do Oeste, texto em que o sebastianismo se torna também um mito fundador do Brasil.









Abstract









The article synthetizes a brief history of Sebastianism in Portugal, and then analises the versions of “sebastic myth”, based on Plínio Salgado’s works. The presence of this myth in the brazilian literature is confirmed by the following works: The Folcloric Dictionary of Brazil, from Câmara Cascudo, a romance called O Esperado, and the historic fiction called A Voz do Oeste, a forgotten text where the Sebastianism turns into a foundation myth of Brazil.





























Referências Bibliográficas:









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