TORNARAM-SE lugar-comum as notícias sobre recordes de arrecadação de impostos no Brasil. Saltos como o anunciado anteontem nos tributos federais -mais de 10% acima da inflação, no acumulado de janeiro a outubro- de tão frequentes já parecem dados da natureza.
Decerto o governo federal (e os estaduais e municipais, que também se nutrem do maná dos impostos) preferiria manter fora de circulação a agenda da diminuição da carga tributária.
Ficaria com o poder para prosseguir no aumento de gastos e, quando muito, distribuir migalhas na forma de desonerações pontuais.
Um conjunto de circunstàncias, contudo, veio frustrar o desejo do governismo. Acabou a tolerància dos contribuintes diante do nível asfixiante a que chegaram os tributos; o arrocho imposto a trabalhadores e empresas não ensejou, da parte do governo, nenhum esforço para diminuir as despesas públicas; a discussão acerca da CPMF e a base frágil no Senado obrigaram o Planalto a negociar e ceder.
O governo Lula continua a defender-se de modo pueril, dizendo que o aumento de arrecadação se explica pelo crescimento económico, e não pela alta de alíquotas. Ora, esse é um motivo a mais para iniciar já um programa de redução gradual da carga de impostos. Os cofres federais, até outubro, acumularam R$ 35,6 bilhões além do que estimava o Executivo -a cifra equivale a tudo o que se espera arrecadar com o imposto do cheque neste ano.
Chegou a hora da partilha. E ela deve ser feita por meio da redução gradual do peso das despesas públicas de custeio e da diminuição progressiva de alíquotas. O governo Lula apenas blefa quando diz que não pretende ceder nada além do que já propós (um alívio de R$ 20 bilhões na própria CPMF, em quatro anos).
Será obrigado a melhorar sua proposta se senadores resistentes fizerem pressão coletiva, recusando-se a negociar pleitos paroquiais no balcão varejista montado pelo Planalto.