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cronicas-->Morrer de Amor -- 27/10/2007 - 10:17 (julio saraiva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Admiro profundamente aqueles que morrem de amor. Morrer de amor não significa morrer fisicamente, embora muitas vezes isto ocorra por suicídio ou melancolia.
No primeiro caso, tirar a própria vida, seria o ato extremo do desespero,que eu não considero loucura e nem covardia, porque ninguém sabe o que vai dentro de cada um.No segundo -melancolia, tristeza -, por favor não me tomem por sádico, mas acho até belo. Foquinha, quase octogenário, meu amigo foi caso típico de morte de amor por melancolia. Quando a mulher, com a qual estava casado havia mais de cinquenta anos, deixou este mundo, ele não aguentou o baque. Os filhos bem que tentaram animá-lo. Deram-lhe apartamento novo, num outro bairro distante de onde morava com a amada. Queriam porque queriam devolver ao pai o que aquela ausência lhe roubara. Foquinha era apontador do jogo-do-bicho, embora não precisasse. Alegre. Fanático por futebol, em especial o seu Corínthians. Largou de escrever apostas, não falou mais de futebol, deu de beber mais do que já bebia. Até que o encontraram morto no apartamento. O coração não suportou a viuvez, e deixou de bater naturalmente. Registre-se: o bom homem tinha rosto uma expressão feliz.
Mas a morte de amor a qual me refiro é outra. Falo de morrer e continuar vivo. Falo de morrer no sentido de renunciar ao mundo, trancar-se no porão de si mesmo e deixar o tempo passar. Santa Teresa de Ávila, que sempre venerei, não tanto pela santidade, mas pela mulher que foi, em especial como escritora, admirada até hoje inclusive por não cristãos e ateus, como o escritor José Saramago, ingressou na vida religiosa porque, na adolescência, teria se apaixonado por um primo próximo. O pai, homem bom, porém austero, colocou-a sob os cuidados das freiras agostinianas, temendo o que, para ele, pudesse vir a ser a desonra da família. Teresa era bela, inteligentíssima e devoradora dos romances de cavalaria, gênero bastante apreciado no século em que viveu, o XVI. Ela mesma confessa em seu livro mais famoso, Vida, que até aos 40 anos fora uma monja relapsa e medíocre. A vocação mesmo só lhe veio mais tarde, quando saiu pela Espanha, enfrentando a tudo e a todos, para fundar dezesseis conventos, entre femininos e masculinos, todos obedientes à regra primitiva do Carmelo, que se encontrava extinta. A Ordem dos Carmelitas Descalços (OCD), entenda-se frades e freiras carmelitanos, sobrevive até os dias de hoje graças a Teresa e ao seu amigo e colaborador mais próximo, o frade e também escritor São João da Cruz.
A irmã mais velha, do total dos vinte e dois irmãos que teve minha avó materna, também morreu de amor, embora tenha continuado viva até aos 90 anos.Chamava-se Belmira, nome pior não lhe poderiam ter escolhido. Na juventude, apaixonou-se, na pequena Batataes, interior de São Paulo, cidade onde nasceu e da qual nunca saiu, por um rapaz de origem espanhola chamado Romão, cujo irmão viria a ser pai natural de um político, já falecido, com uma empregada da família, que fora enviada ao litoral, por motivos óbvios, para dar à luz ao rebento que se tornaria famoso. Mas isto não vem ao caso, contei apenas para temperar esta história, louca nos dias de hoje.
Belmira e Romão amavam-se, fato inconteste. Meu bisavó, barão do café, que nunca fez nada na puta da vida, além de filhos e jogar carteado, não aprovou o romance. E naquele tempo o não paterno era não. E não se discutia.Uma exceção à regra foi a poeta goiana Coral Coralina, que na verdade chamava-se Ana. Cora não abriu mão do seu amor, homem mais velho e casado. E fugiu com ele.Coisas de Ana, que também pagou alto o preço da sua ousadia. Tornou-se Cora, de coragem, e Coralina, de coração, porque o marido não a queria escritora. Assim, a menina Aninha só teve os seus versos publicados depois de viúva.
Belmira nunca escreveu versos, Romão jogava futebol, e esta atividade era o bastante para macular o brasão da tradicional família.Diante da proibição paterna, Belmira e Romão firmaram pacto: jamais teriam outro amor na vida. Ela cumpriu, ele não. Belmira conservou-se casta, praticamente reclusa no casarão da Praça João de Andrade, não abandonando-o sequer para ir à residência ao lado, onde morava uma de suas irmãs. E só não morreu lá porque a irmã mais nova, fazendeira riquíssima, que adquirira o imóvel centenário, achou por bem pó-lo abaixo tão logo soube do interesse do Património Histórico em tombá-lo. a ignorãncia age sempre assim: melhor deixar um terreno abandonado a vê-lo transformado num centro cultural, biblioteca - para que bibliotecas? - ou qualquer outra coisa a serviço da comunidade.
Belmira morreria pouco depois da queda do casarão.Lembro-me dela muito bem. A cabeça sempre coberta por um lenço branco, transformado em turbante, talvez símbolo de sua castidade. Como não saísse e nem tomasse sol, o rosto, só lavado com a água escorrida do arroz, era de criança. De vez em quando cometia seu excesso: chamava um moleque da sua confiança e pedia-lhe que fosse à sorveteria do Faraco, em frente ao casarão, comprar-lhe uma garrafa de cerveja, que ela sorvia em pequenos goles encostada ao fogão ao lenha. Fazia um divino virado de abobrinha com farinha de milho como ninguém. Nunca a ouvi pronunciar o nome do falecido Romão. Talvez o retrato do do pai, com seu vasto bigode, na sala de visitas, ainda a amedrontasse. Ah, se eu me encontrasse com Jesus Cristo, não tenham dúvida: pediria a ele que acrescentasse mais uma bem-aventurança em seu Sermão: - Bem-aventurados os que morrem de amor, porque são mais puros do que os puros, e portanto têm trànsito livre em todos os cantos do Reino dos Céus.

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júlio

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