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cronicas-->Mario Quintana -- 13/10/2007 - 07:41 (julio saraiva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Conheci Mario Quintana (1906-1994) há uns trinta anos mais ou menos, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, em São Paulo. O Mario do Quintana, é bom lembrar, não é acentuado,ao contrário do Andrade.Mas isso é irrelevante.
Eu era um menino, iniciante no jornalismo. O poeta de A Rua dos Cataventos viera a São Paulo cumprir uma série de palestras promovidas pela Secretaria Municipal da Cultura com escritores brasileiros. A platéia, naquela noite de muito frio, era pequena.Frio à parte, Quintana, ao contrário de Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade, ainda não era tão conhecido do público paulista. Acho mesmo que seu nome em Sampa começou a ser mais falado com a publicação do Caderno H no Folhetim, suplemento dominical da Folha de S.Paulo, editado por outro gaúcho, o jornalista Tarso de Castro, poucos anos antes dessa palestra a qual me refiro.Portanto Quintana era conhecido em São Paulo, mas não tanto.
Mario de Miranda Quintana, porém, já era uma das figuras mais queridas do seu Rio Grande do Sul.E
tão respeitado nas letras quanto seu amigo Érico Veríssimo. Mas os chamados quintanares, neologismo criado por Manuel Bandeira, durante saudação que fizera ao poeta, na Academia Brasileira de Letras, em agosto de 1966, demoraram a ser conhecidos nos chamados grandes centros culturais. Só mesmo os gostos mais refinados o sabiam. Dizem que a poesia de Quintana chegou ao público carioca através de Cecília Meireles, por quem, pelo menos falam, o poeta, solteirão de carteirinha,cultivava um amor platónico, ou melhor inocente.A poeta de Vaga Música era casada. E daí a provável origem destes versos de Quintana: "Senhora, eu vos amo tanto/Que até por vosso marido/Me dá um certo quebranto..."
Bem, naquela noite fria, caberia a mim arrancar algumas palavras de Quintana,o filho mais ilustre do pequeno Alegrete, onde na praça principal, após recusar escolher um de seus versos para a posteridade, o poeta pediu que na placa de bronze fosse gravado apenas: "Um engano em bronze é um engano eterno."
Quando terminou a palestra e eu me vi frente a frente com aquele senhor de olhinhos vivos, meio desajeitado, metido num amarrotado terno cinza,minhas pernas tremeram.E tremeriam mais ainda quando o poeta recusara-me a entrevista, alegando cansaço.
Impertinente, como todo principiante, entrei no elevador com ele: - "Mas eu gosto tanto de você",
apelei. E fui logo metendo uma pergunta usando uma das máximas do poeta. Perguntei-lhe se o poema era como um copo d`água bebido no escuro.Ao que ele retrucou com outra de suas máximas:"Dei algumas definições de poema exatamente para me ver livre dos perguntadores. A
poesia não se entrega a quem a define."
Como a coisa parecia caminhar bem, emendei outra.
E quis saber por que Mario Quintana nunca se filiara a nenhuma escola ou grupo literários. A
resposta: "O perigo de entrar num barco coletivo é que todos naufragam ao mesmo tempo." Antes que
eu prosseguisse meu questionário o poeta foi taxativo: "Está satisfeito? Agora me dê licença que eu vou encontrar com a moça."
A moça em questão ainda não era Bruna Lombardi, que mais tarde se tornaria musa do poeta, mas sim uma senhora sessentona, funcionária da biblioteca, incumbida de acompanhar Mario Quintana.
Matéria salva. E uma certa decepção com o poeta que julguei antipático. Essa impressão,porém, se
apagaria no dia seguinte,
quando alguém da redação gritou meu nome, dizendo que Mario Quintana estava ao telefone. Não acreditei. Brincadeiras de mau gosto sempre foram comuns nas redações. Assim mesmo fui ao telefone. Era o próprio. Ligava para agradecer a matéria. Só aí percebi que Mario fugia dos interlocutores por pura timidez. Desprezava sua própria grandeza: "Um
engano em bronze é um engano eterno", comecei a entender.
Anos mais tarde, já não tão menino e com alguns poemas publicados, encontrei Quintana novamente em São Paulo.Dessa vez no Parque Ibirapuera, durante uma bienal do livro. Entrei na fila de autógrafos com um exemplar de Esconderijos do Tempo. Ganhei dedicatória e o compromisso de nos
encontrarmos no dia seguinte.
E nos encontramos. Fui buscar o poeta no hotel onde estava hospedado, no Largo do Arouche, não muito distante da Biblioteca Municipal, onde se deu nosso primeiro encontro, pouco amistoso por sinal.Caminhamos horas pelo centro. O poeta com o braço entrelaçado no meu. Os cigarros Advance,
fumados compulsivamente. As frases carregadas de humor. O bar. Mario Quintana não bebia mais. Mas
tomou várias xícaras de café, e eu alguns conhaques.Guardo até hoje o guardanapo de papel no qual o poeta anotara o endereço do hotel Presidente, onde residia, em Porto Alegre. Quando nos levantamos, eu quis pagar a conta. Mario não permitiu. Arrancou algumas cédulas do bolso do paletó amarrotado e as colocou sobre o pires: "Deixe que um velho poeta pague a conta para um poeta novo", disse ele. Foi a última vez que nos vimos frente a frente. Quanto tempo faz?
Acho que foi hoje pela manhã. Ainda sinto em minha boca o gosto daqueles conhaques. Ainda ouço a voz do poeta com seu forte sotaque gaúcho
em meus ouvidos.
Sim, nosso último foi hoje cedo, até porque, segundo o menino Mario Quintana, o tempo é um ponto de vista dos relógios.
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