A ideologia do dominador permeia soberanamente as relações da sociedade como um todo. As representações sociais que afirmam a supremacia do dominador são internalizadas pelo dominado e adquirem aí um significado muito especial: o da auto-negação.
Abrimos agora um parágrafo para explicar melhor o que são representações sociais. Segundo alguns autores como Leontiev e Moscovici em outras palavras, as representações sociais são um conjunto de idéias, valores ou quaisquer comportamentos que tenham o intuito de facilitar a comunicação e organizar o caos social : o desconhecido na cabeça dos indivíduos. São valores transmitidos através de gerações: lendas, mitos, conceitos morais, dogmas e estereótipos. As representações sociais mudam com a época, mas de forma muito vagarosa. São as pequenas teorias que absorvemos da cultura oficial e familiar, reelaborando-as, segundo nossos valores peculiares e que guardamos dentro de nós, para explicarmos o mundo em que vivemos.
O processo de dominação de um povo sobre o outro, além da dominação concreta - a política-cultural e econômica - destrói seu mundo simbólico, cujos significados são imprescindíveis para que os indivíduos, ao terem a necessidade de identificarem-se positivamente com o real, adquiram, sem grandes dificuldades, a consciência de quem são, quem desejam ser e que mundo planejam para si e seus descendentes: é o que constrói os ideais de esperança e futuro.
Destruir um mundo simbólico significa quase sempre a destruição das instituições e como culminância deste processo perverso, o esmagamento da língua materna, o que quer dizer, o aniquilamento profundo de qualquer identidade cultural.
A ideologia da dominação tem necessidade de criar estereótipos que estigmatizem o dominado. Para Aurélio B. de Holanda, estigmatizar significa: "marcar com ferrete por pena infame, censurar ".
O estigma leva a uma situação de marginalidade o sujeito marcado e, quando, esse estigma surge de estereótipos fabricados pela sociedade dominante e decadente, o processo se complica ainda mais: não achando no real as raízes da sua "inferioridade" ou dos seus "erros", o dominado tende a interiorizar esses fatores como inerentes à sua própria "natureza", ou seja, como um biologismo que acaba por se constituir em algo supra-cultural, pré-determinado pelo mito genético. Este é um processo alienante ao qual é comum o dominado responder com comportamentos submissos, conformistas ou, como forma de defesa, com desconfiança e fechamento de grupos. Saindo destes, o indivíduo poderá apresentar características de extrema agressividade.
O mais impressionante é que esses comportamentos de submissão e conformismo ou, o seu oposto, a agressividade, passam a ser analisados pelo dominador como uma nova forma de estereotipia que consequentemente levam a novos estigmas: o de que o dominado tem gosto pela dominação e consequentemente constitui-se numa sub-raça.
A representação social da sub-raça do dominado, que sempre está presente explícita ou implicitamente na relação dominador x dominado, deve ser interiorizada por ambos os pólos desta relação.
Claro que não estamos dizendo que submissão e conformismo são necessariamente os únicos traços de personalidade e comportamentos que resultam da dialética dominador x dominado. Quando o dominado nega a sua própria negação gerada pela ideologia dominante, então ele começa a afirmar-se positivamente e inicia-se o processo de aquisição de uma consciência crítica. A negação da sua negação significa a afirmação da sua identidade ( ou a busca desta ) e a negação da identidade do dominador. Este processo de vai-e-vem entre o psíquico e o social, provoca sérias crises de amadurecimento psicológico, dolorosas, como tantas outras.
Este texto foi retirado da fundamentação teórica do livro que escrevi sobre imigração polonesa no sul do Brasil. Ressaltei-o pela atualidade que pressuponho conter.. Embora, na linguagem dos neologismos, certos intelectuais tentem substituir, termos teoricamente considerados arcaicos, os termos dominador e dominado para mim são absolutamente atuais: mudam-se as geografias, as etnias, mas não a violência do processo.
Ou será que o que estamos vivendo em termos da classificação dos povos em primeiros e terceiros mundos, pois ninguém sabe a quantas anda o segundo mundo, nada tem a ver com as ameaças de guerra e constrangimento de povos supostamente superiores pelo poderio bélico material ou financeiro acumulados de alguns?
Será que nada tem a ver com nada?
BUCHMANN, Elane Tomich. A Trajetória do Sol. Curitiba: Fundação Cultural,1995.(Col. Farol do Saber)