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Contos-->O QUE É A SOLIDÃO -- 10/04/2017 - 03:52 (PAULO FONTENELLE DE ARAUJO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


     Levou quarenta minutos até Caio imaginar que o problema poderia ser apenas falta de gasolina em seu carro. Aqueles dois motoboys ainda ajudaram a estacionar. Os dois ocupados, carregando pizzas, tiveram a gentileza de pararem as motos para  ajudar um estranho. 


     Caio sabia o quanto os motoqueiros detestam quem prejudica a fluidez do trânsito.  E ele deveria estar nesta condição detestável: fora do seu fusca, empurrando o tal carro com o braço esquerdo,  virando o volante com a mão direita,  estacionando na vaga disponível. 


     Quando os motoqueiros chegaram, Caio tentou se justificar: falou da velhice do carro; a irmã o emprestara, começou a dirigi-lo ontem; deveria ter visto antes um mecânico, um Auto-Elétrico. Os motoqueiros não ligaram para os fatos e ajudaram na manobra.


     Na verdade, Caio não conhecia ninguém. Sua opção seria caminhar até chegar à avenida Nossa Senhora de Copacabana, distante meia-hora dali, onde morava a irmã, agora dormindo o seu sono de mulher idosa.


    Um dos rapazes ainda perguntou se ele precisava de algo mais. Caio recusou, poderia ter aceito, apesar de ter criado inúmeros obstáculos para a ajuda deste motoqueiro: calcular o tamanho do favor, separar uma gorjeta.  Sim,  homens da sua idade sabem quando a cordialidade esconde um interesse financeiro, embora também soubesse da exata dose de patifaria,  fundamental para sobrevivermos...


     Naquela hora Caio apenas não quis incentivar a velhacaria no mundo.


     Nove e vinte da noite e deveria ter aceito a ajuda. O motoqueiro poderia morrer naquela noite ao perder o controle da moto, quebrar a cabeça contra o asfalto e chegar no paraíso com a boa ação do dia.  


     Morrem tantas pessoas no Rio de Janeiro. A madrugada mesmo é um tipo de óbito. 


     Caio não deveria ter lido no jornal a manchete dos quinze assassinatos, do aumento no índice de latrocínio na cidade. Tal aviso não o animava a caminhar por ali, se bem que precisasse  chegar em casa.


     Pensou no posto Esso no final da avenida. Pensou na sua falta de dinheiro para o táxi e quanto os taxistas da cidade são desonestos.  Caio não quer perder dinheiro, já bastava não ter detectado o problema no fusca da irmã e perder quarenta minutos apertando cabos.


     Dormir no carro também seria perigoso. Assaltantes aparecem de muitas formas. Caio apressou o passo. Aquela avenida era muito escura e trava ousadias. O comércio estava fechado e quando ele passava por ali durante à noite, somente observava os entornos dos semáforos onde os delinquentes surgem no vermelho.


     Também não havia mais ônibus rumo à região da casa da sua irmã, ela dormia cedo porque era uma cristã praticante.  Melhor não reclamar, principalmente diante dessa escadaria.  Essa enorme escadaria, surgida no meio da quadra parece não ter fim.  Se a polícia estivesse atrás de bandidos, eles poderiam despencar daqui, pular os degraus como coelhos,  chegar à rua paralela e sumirem.


     Caio também queria sumir. Esta última semana de trabalho foram dias difíceis. Ele bem esclareceu a sua amiga Rita: as mesas provocavam enjoo, as pessoas perturbavam porque não havia rodízio das caras e ele repetia conceitos mornos de obrigações profissionais imutáveis. No entanto, tudo também parecia melhorar.  Talvez tenha sido o acidente, há quinze dias, quando dormiu e destruiu o seu carro contra o muro. Quis o extraordinário um novo despertar ao acordar com uma dor no peito por causa da pancada contra o volante e uma sensação de afastamento.


     Depois somente ouvia foi você teve sorte, você quase morreu, Deus te protegeu. As frases tornaram-se um eco. Um eco diferente: “Quase!”; “Por um triz!”; “Por pouco!”; “Tua vida se divide aqui!; “Deu perda total, mas graças a Deus não te aconteceu nada”; “Você sobreviveu por milagre!”. 


    Caio sentia não ter sobrevivido. Certamente não sobreviveu porque já estava morto de uma forma diferente. Do contrário, o fusca da irmã não teria parado em um sábado à noite, naquela rua perigosa. Locais e horários perigosos parecem carregar a certeza dos homens de meia idade solteiros: toda a vida transcorreu sem novidades.


     Mas se anos e anos se harmonizaram apenas com bocejos, então algo precisava ser feito - pensou Caio. A tristeza precisava sair do seu coração.


     Caio poderia ter pedido gasolina aos motoqueiros. Talvez agora um deles estivesse quebrando a cabeça contra um asfalto ou encontrando sua namorada, justificando o atraso com a ajuda para um velho unha-de-fome que nem deu caixinha. Caio ainda pensou:


     “A velhacaria do mundo é sem fim, mas esta desconfiança também precisa sair do meu coração”.


     Caio encontra um pequeno hotel. Decidiu passar a noite ali. Amanhã tudo será diferente.


 


 


DO LIVRO:"TOUROS EM COPACABANA"






 






 








 












 

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