NA MINHA INFÂNCIA TINHA UM RIO.
TAMBÉM TINHA UM MAR.
Renato Ferraz
Em minha cidade, no sertão de Alagoas.
Não havia rio nem era banhada pelo mar
Tinha um açude, que enchia durante o inverno.
No período chuvoso ele até sangrava.
Próximo dali passava um grande rio
que fazia divisa entre Alagoas e Bahia.
Era o famoso Rio São Francisco.
Conheci o Velho Chico com 11 anos de idade.
Era um rio muito importante por causa
das hidrelétricas da cachoeira de Paulo Afonso,
que gerava energia para os estados do nordeste.
Na minha infância, eu tinha bastante vontade
de conhecer o mar.
As histórias a seu respeito eram fascinantes
e despertavam em mim uma crescente curiosidade.
A imagem que eu tinha sobre o mar
Era de um gigante poderosíssimo.
Ao mesmo tempo seria também dócil e alegre
como uma criança, pois se falava muito bem
da alegria em suas praias ensolaradas de águas azuis,
enfeitadas com cores vivas, coqueirais
e repletas de mulheres bonitas.
Certo dia, com 18 anos, peguei a estrada
e parti no ônibus que fazia a linha para a capital.
Fui conhecer a vida do outro lado da imaginação.
Fui morar e estudar em Maceió,
na antiga Escola Técnica Federal de Alagoas.
Eu cheguei à capital durante a madrugada
e meu pensamento não saia do mar...
Como será que ele se comporta à noite?
Portanto, como ele estaria àquela hora?
Nessa época eu acho que ainda
não havia lido Mar Morto, de Jorge Amado...
A minha curiosidade foi satisfeita logo cedinho,
quando amanheceu o dia e eu tomei café.
Ansioso e emocionado, parti para conhecer,
me apresentar e reverenciar o gigante.
Lembro que a expectativa não chegou a ser frustrante,
mas não foi como eu imaginava, pois ao invés de multicolor,
vi um cenário bem diferente das imagens que havia criado.
Nesse horário havia algumas pessoas que caminhavam na praia,
vi alguns pescadores puxando suas redes,
alguns animais de rua soltos correndo e
também notei que a água estava um pouco turva.
Mas o que mais me chocou foi ver tanta sujeira jogada na areia da praia.
É que naquele local havia um riacho
que trazia como afluentes alguns esgotos da cidade.
Desembocava ali trazendo todo tipo de lixo,
plásticos, roupas, pedaços de madeira,
utensílios domésticos e tantos outros agentes de poluição.
Eu achava interessante e curioso aquele mundo de água ser salgado,
pois havia lido alguma coisa sobre a formação dos mares
durante a evolução do universo.
Minha família era católica e havia na nossa formação
um sentimento de medo dos castigos de Deus,
perante as ações erradas que se cometesse,
chamadas de pecado.
Eu achava desperdício e muito estranho
a água doce do rio ter que ir se misturar com á do mar.
Nessa época meu senso crítico ainda estava em formação,
eu não questionava o que se fosse atribuído a vontade e criação de Deus.
Então, para mim, se era desse jeito
e como foi Deus quem criou tudo,
então estava tudo certo, ele com certeza sabia o que estava fazendo.
Quem seria eu para questionar ou criticar Deus?
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