Usina de Letras
Usina de Letras
68 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62141 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10447)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10337)

Erótico (13566)

Frases (50548)

Humor (20020)

Infantil (5415)

Infanto Juvenil (4749)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140781)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6172)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O filho de Keen -- 26/12/2016 - 22:37 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Naquele segundo domingo de agosto, ela buscou a forma mais suave para abordar Bobby, de modo a não machucá-lo, ao contrário disso, deitar azeite sobre eventual ferida que ele tivesse em relação ao pai.

Teve o cuidado de pedir a sua, não sem antes consultar o pai. Jeremias esboçou um sorriso, mas Dulcineia disse simplesmente:

— Tanto faz.

Tanto faz quer dizer muita coisa, ou não diz nada. Na verdade, revela indiferença e desprezo.

— O filho daquela vizinha chata não sai daqui mesmo! Que diferença faz ele vir hoje ou amanhã?

Ela esquecera que era dia dos pais. E sequer fizera um almoço especial para o marido.

De longe, dona Leide o acompanhava com as vistas, até que a portinhola da mureta se abriu, e Bobby entrou.

Ravenala o esperava, estruturando frases como: ‘ Nunca me falaste de teu pai!’ Não esta não... E o levou a conhecer a Barbie que ganhara há bastante tempo. ‘E se Robert perguntasse se ela ainda brincava de boneca? Correria assim mesmo o risco de passar por um vexame,  contanto que tocasse o coração Bobbynho, sem machucar.’

— Olha como é linda!

— Não tens também o Keen?

— Não! Não tenho.

— Barbie precisa de um namorado. Vou dar o endereço dela para o Keen.

Mesmo sabendo que o guardaria numa caixa, como fizera com a boneca  Emília, e com a Barbie, não poderia perder a oportunidade de simular uma família, senão fingindo brincar de boneca.

— Vais me dar o Keen de presente?

— Foi isso que eu quis dizer, quando falei em dar o endereço da Barbie para ele.

Robert ainda estava absorto em seus pensamentos, quando Ravenala questionou:

— A família ficará incompleta. Falta o filho!

Acostumado a brincar com suas miniaturas de fórmula 1, Robert jamais imaginara em um filho de Barbie e Keen. Ele mesmo era filho de uma família incompleta.

— Quem são os pais de Barbie? E quem são os pais de Keen?— Perguntou Robert, sem querer perguntar. A palavra lhe veio à mente, por falta de outra mais oportuna.

— Bem, no reino das bonecas... Keen e Barbie podem representar Adão e Eva, pais de uma grande nação de bonecos, e os primeiros seres a habitar a face da terra, portanto, como pai, eles têm o próprio Criador, explicou Ravenala.

O semblante de Robert estava sereno, e pareceu  momento propício para estabelecer uma conversa sobre família.

— Nunca me falaste de teu pai.

— Não o conheci. Minha mãe diz que ele faleceu quando eu tinha poucos meses. Mas nunca me levou para ver o túmulo dele.  Vejo em tudo isso um grande mistério. A mãe  confidenciou que há muitos anos, esteve no cemitério , e sentiu uma força que vinha das entranhas da terra, tentando puxá-la para dentro da tumba. Foi a última vez que visitou o finado. Faz tanto tempo! Não saberia mais localizar... Não tem um epitáfio, uma lousa, alguma coisa que identifique o morto? Perguntara Robert à sua mãe. —  ‘Talvez nem mais uma cruz!’— respondeu ela. ‘E o nome dele, insistiu’. — ‘Profeta era seu nome. Chame-o de profeta ou de finado. Pai ausente, mesmo estando vivo, é como se estivesse morto.’ — E o filho se calou.

Alguma atitude incompatível  com os desejos de dona Leide, seu colega deve ter adotado, por isso ela não ousava,  sequer pronunciar o nome dele. Depois  dessa conversar sobre uma força estranha que tentava sugar o visitante para as entranhas da terra.  Robert passou a imaginar o  cemitério como morada de fantasmas.

—Procuro meu pai entre os vivos. Se ele for morto, prefiro não encontrá-lo.

Ravenala acenou, afirmativamente, com a cabeça. Ela também não queria contato com os mortos.

Depois de recobrar  as forças. Continuou a conversa.

— Tens esperança de encontrar teu pai, ainda vivo?

— Não me canso de procurá-lo. Minha mãe nunca soube que o procuro. Acho que o esconde de mim, ou me esconde dele, para castigar o velho, ou mesmo apagar a história dela.

— Vi teu nome escrito numa página amarelada , dentro de um baú do meu pai. As primeiras linhas apontavam  para um pedido de desculpas.—‘Encontraste algo interessante?’ Disse seu Jeremias ao descobrir-me mexendo em seus guardados. — ‘Sim, este poema!’ Mostrei-lhe sem ter lido uma linha sequer, e como fazem os mágicos, escondi o que lia, debaixo de outros papéis. Ele porém, pareceu não querer mais esconder nada,  e com gesto de paternal doação, afagou minha alma: — ‘ O autor deste poema, não assinou sua obra. Portanto, ele é teu, minha filha’. — ‘Obrigado, pai!’ E só depois que ele se afastou, li realmente,  o que eu dissera ter lido antes.

Ravenala  abriu a primeira gaveta da cômoda e entregou a Robert alguma coisa escrita numa folha de papel.

 

 

 

 

 

 

 

 

A

Pare

de do

mundo

é azulada,

até onde a vista alcança O poeta vê além das

nuvens brancas uma aquarela: nuvens amarelas... pássaro

solitário refaz o ensaio de uma valsa. Tudo passa velozmente

no imaginário... Se Fernão olha

a gaivota, não vê

o sol de relembranças

que se põe

atrás

de

su

as

asas

 

Robert pareceu não se interessar muito  pelo que lia e devolveu o papel sem outras palavras além de: ‘É um poema.’

 — Não leste  depois o que estava escrito na folha amarelada que escondeste? — quis saber ele.

— Voltei ao  pequeno quarto  dos fundos, que a minha  mãe chama ‘O lixo de Jê’. Lá encontrei também o boi de Drummond,  pontilhando  as horas nos cascos. Não entendi por que o pai falava em  Percalina-verde-drummond  com apenas 12 volumes, quando o poeta de ferro, afirma que eram 24 volumes encadernados em percalina verde. De qualquer modo, “Verde-drummond” era uma homenagem dirigida não somente a Carlos, mas a todos os poetas que esperam tanto a ressurreição dos mortos, quanto a consagração da poesia.

— Percalina-verde-drummond, não me diz respeito. Não estava mais lá o outro escrito?

— Lamento. Não estava.

— Lamenta? Eu choro.

***

Adalberto Lima - fragmento de Estrada sem fim...

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui