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Cronicas-->O pedinte da ladeira -- 13/08/2007 - 18:33 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O pedinte da ladeira

Todos os dias, sempre às seis horas da manhã, impreterivelmente, quando eu estou vindo da Barra de São Miguel, encontro aquela alma generosíssima de trajes simples, segurando uma garrafa térmica com leite e café, a encher um surrado caneco de plástico de um pedinte sujo e desolado que escolheu a calçada lateral dos alicerces do prédio da Assembléia Legislativa, bem em frente à Igreja Matriz, para passar suas noites solitárias e frias.
O pedinte, sempre sentado e ainda coberto por lençóis feitos de sacos plásticos, devora um pão enorme que o bom homem lhe dá, traga o café com leite gulosamente, enquanto a outra alma espera que se finde o desjejum do velho. Traduzo aquela cena como sendo o espelho da perversa permissividade da nossa cegueira mesquinha para com o sofrimento alheio, fruto do modelo social em que vivemos.
Aquele homem, dono de alma iluminada, nem sabe que é por mim observado todos os dias e que me dá inspiração para escrever em verso e prosa. Devo exaltar o seu gesto de humanidade. Afinal, um ser como este, não podemos perdê-lo de vista, nunca. É fruto raro e de sabor delicioso. É muito mais que uma iguaria; é alma acesa pelos frutos do amor vivo de Cristo. Ave em extinção.
Quando chego com o meu carro ao pé da ladeira, onde todos os dias vejo aquele velho dormindo após varar a madrugada escura e triste, a primeira coisa que faço é diminuir a velocidade do automóvel e tentar acrescentar alguns segundos à visão da cena. Dá para refletir sobre aquele gesto e pensar em sua única causa: o desamor da humanidade. Se amássemos verdadeiramente ao próximo, não veríamos cena semelhante a esta que descrevo entristecido.
Admiro ainda mais o homem que fornece o alimento ao pedinte, procuro não me acostumar com a cena, quando o semáforo abre e tenho que prosseguir. O meu juízo arde com uma inveja benevolente daquele ser e até hoje, fora esta crónica, nada fiz por aquele velho, o que tenho de confessar publicamente. É uma outra grande falta para comigo mesmo e para com a sociedade como um todo, a qual não me perdóo. Tenho que saldar esse débito com Deus. Preciso mesmo!
Continuo a olhá-los pelo retrovisor do carro. Eles não sabem, mas eu os observo todos os dias quando por ali passo, de barriga cheia e montado em um carro novo e confortável. Deveria sentir com ele a agressão física das madrugadas frias e inseguras que só aquele velho pobre entende tão bem, sem cobrar do governo um só centavo do imposto recebido, para diminuir-lhe a miséria em que vive atolado até a alma.
A outra alma, a do homem generoso e simples, me enaltece como ser da criação. É por existirem homens dessa natureza que ainda há esperanças na construção de um mundo melhor do que este onde vivemos cegos, surdos e mudos ao sofrimento alheio.
Será que o governo não o vê? E o bispo da diocese? Os pastores evangélicos que gostam tanto do dízimo, onde estão? Acredito que só uns poucos pagadores de impostos é que tentam resolver aquela situação de extremo desconforto para o velho pedinte, no lugar dos verdadeiros responsáveis. Sei, muito bem, que não é preciso ter igrejas ou pertencer a associações de caridade para se ajudar ao próximo. Até eu poderia imbuir-me do mesmo silêncio generoso daquela alma boníssima e levar aquele velho para o conforto do meu lar. Só não o fiz ontem porque não encontrei dentro de mim, ainda, a generosidade que preciso ter, quando bato ao peito e digo: Sou um cristão vivo. Não amo o próximo como a mim mesmo; isso diz tudo o que quero. Amanhã, quem sabe?
Tantas reuniões governamentais, tantas ONGS, tantos shows beneficentes, tanta falácia e não se resolve nada vezes nada. Precisamos mudar e mudar rápido. Não nos sobra muito tempo. Arquitetemos algo de inusitado em prol dos nossos irmãos menos favorecidos e dos miseráveis que nos ficam bem mais distantes ainda, como este sujo e ignorante santo da ladeira.
Vou começar a ajudar-me, ajudando o velho sujo das madrugadas frias da calçada da Assembléia. Domingo, chamarei a imprensa local para assistir ao imundo ser comer lagosta ao Thermidor, sentado numa mesa limpíssima no melhor restaurante que encontrar na cidade. Isso dará o ibope necessário para decolarmos numa grande campanha contra a fome e o desprezo e a favor do amor a Deus e da paz do mundo. Não vou esperar mais pelas autoridades; vou fazer, amanhã, a minha parte e a parte de todos eles! Verei o quanto é esplêndido gostar de nós mesmos e, para tal, é imensamente preciso que amemos todos os velhos que, como este, sofrem tanto. A Lua nos dará o seu prêmio de presente e a natureza nos coroará com o prêmio maravilhoso de uma vida longa, saudável e muito feliz. Os céus não nos cobrarão nenhum imposto sobre isso que fizermos.

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