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Contos-->O DEUS DE SEGUNDA A SEXTA -- 01/05/2016 - 20:31 (PAULO FONTENELLE DE ARAUJO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

    Hoje é sexta-feira. Acordo com comichões pelo corpo. Considero o meu objetivo inicial: buscar o divino na periferia. É isso. Sempre soube e agora levarei para os confins do mundo minha experiência de vingador, tratador de cães, testemunha.


    Posso me considerar a antena parabólica do milagroso. Esta qualificação é mais reconfortante.


   Subo no ônibus Centro - Vila Joaniza e cumprirei as minhas obrigações. Sei dos caminhos da cidade. Pegar um ônibus, chegar ao fim da linha, entrar em outro coletivo. Ir até o ponto final desse segundo trajeto e repetir a operação. Viajar para alcançar lugar algum. Tão distante que os passageiros se conhecem desde crianças e, a despeito desse fato, não me envergonharei por ser o rosto estranho.


    Entro no ônibus Jardim Miriam e sigo. Examino os postes e as nuvens. A sensação de escape é tão forte que desço no ponto seguinte. Estou outra vez na avenida Yervant Kissajikian.


    Peregrino pelo lugar. Viro em ruas estreitas, subo ladeiras e finalmente percebo: só há mulheres e crianças nos lugares por onde passei. Sim, o contrassenso é significativo. Em regiões de famílias carentes, apenas os homens trabalham. As mulheres não compõem a renda familiar. Cuidam dos rebentos em casa e não percebo qualquer brutalidade no ar. Os homens levam sua truculência aos empregos. Os adolescentes e pré-adolescentes talvez estejam nas escolas ou talvez trabalhem nas biroscas do bairro. Certamente perambulam longe como gatos vadios. Mas aqui longe da avenida, as mulheres se ajuntam aos filhos pequenos e o mundo se acalma. São três horas e vinte minutos da tarde. É possível sentir a placidez do horário. Um silêncio e crianças miúdas penduram seus umbigos nos portões.


    Sem dúvida, a paz. A paz da mulher que ousa manter intacta a sua ninhada e isso apesar da simplicidade, do provisório, da vida em casas mal construídas. Contar os pregadores de roupa e estender ao relento as roupas molhadas da família.


   O tal Matias percebeu apenas o lado mal acabado desse lugar, que é tão mal acabado quanto o resto do mundo e isso não é o que importa.


   Sinto muita simpatia pela serenidade que assisto.


   Encontro uma Igreja “Assembleia de Deus” fechada e percebo: fui levado a acreditar que a “Missão de cada crente” é acreditar e dividir a graça do Senhor com outras pessoas. No entanto, se determinado lugar for a materialização dessa graça, algo a ser mantido, defendido e não distribuído. Se este lugar tiver a pequena validade do segunda a sexta, o horário comercial, quando a grande massa de gente impura não estiver ali. Não seria melhor não dividir graça alguma, abençoar o silêncio e manter o segredo.


    Caminho mais para dentro do bairro. Até um ponto em que só posso retornar se confiar na memória. Naquela esquina destaca-se uma casa de paredes verdes. Fotografo outra casa, o muro foi decorado por cacos de ladrilhos coloridos e do quintal reparo as roseiras. O jardim é bonito, embora o dono cultive ao lado um aglomerado de pneus carecas. A ausência de calçamento prevalece na região. O mato sai pelas frestas. Inúmeros vira-latas se cheiram. Alguns moram atrás daquele portão de lanças. Os vira-latas presos são pontos de referência.


    Uma criança passa por mim coçando o ânus através da calça. Conto mais quatro vielas sem saída e viro à esquerda. Estou em outra trilha, o caminho para Damasco sem placas, às quatro e cinco da tarde de um dia de sol.


    Não me sinto perdido.


    Continuo a passar apenas por mulheres e crianças.


    Às quatro e quinze, duas mães conversam no portão. Uma constata: “ A neném está em dia com as vacinas”.


    Um dia procurei o Altíssimo no belo, no permanente, na virilidade. Se eu voltar muitas quadras, chegar à avenida, verei as oficinas mecânicas dos varões e isso será o início de um rastro de solidez rumo ao centro da cidade, onde homens e mulheres ferinos trabalham em escritórios, lojas de departamentos e bombas de gasolina.


    O Altíssimo não está no centro do mundo. Sinto-o nesta “bocada” e isso apesar da miséria, das crianças coçarem o ânus por causa de vermes.


    Isso foi a referência máxima que encontrei para o esconderijo de Jeová.



FRAGMENTO DO LIVRO: "DEUS, A FERIDA E A PERIFERIA" (já publicado na Usina de letras)

























 


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