Carta
Eu já vi formados de cristal, e vi formados de madeira. E há quem diga que antes do cristal, a pedra; e quem diga que antes da madeira, o cristalino do centro da terra, frágil... Mas é antes de tudo o grito, a forma em nada. E eu que nunca gritei tudo, porque tinha nada e porque velava o sono dos ausentes, agora grito pela tua presença, e porque estás perto de minha natureza.
Minha natureza, que não é de fogo, não é de água, nem de ar, é tão bruta quanto qualquer elemento fora das mãos humanas. E porque não inflama, não inunda e não voa, mas grita desesperadamente, é lógico que não fazes parte de meus sonhos [eu não te velo, eu não silencio, eu não procuro – eu a tenho] porque não dormes, porque não durmo, e sei que estás atenta a minha voz soando alto, badalando eco, e vibrando ares. És presente, e trazes contigo os que estão vivos, os que estão puros, e estão com suas fúrias nas mãos de Deus, suas lentidões nas fábulas.
Por isso não mais me pesa o ar, que é sem tempo, e é sem espaço, e eu faço do cristal a pedra; como quem volta ao primeiro amor, à gênese perdida, ao desenho de giz de cera. Trago comigo o amor de verdade, e as falas, e os corpos, e os poucos... e não somente o poema, não mais somente a palavra e o sonho. Você que me libertou, você que fez silêncio e não mais eu. E só o grito dos que vivem conseguem soltar os braços. E os braços soltos, abraçam. E as mãos soltas, agarram. E os dedos soltos, tocam. E de tudo isso o prazer, porque o prazer é para o corpo, que sente, e para o corpo que é livre. E do prazer o grito; e no grito o poema. O poema, o que explode. E foi assim que todos surgimos: do nada que explodiu mar, terra e ares de dia e noite, e silêncio na imensidão de planetas mortos e vivos. E o que consta na natureza são cristais, são pedras, são pedaços de pau que vivem, que são assim porque à vontade da terra foi tirar um pouco de si das larvas que secaram, que destruíram, e hoje constroem, como que por descrença, devolve a primeira fala de Deus ao próprio Deus. E por isso no poema não a palavra; no poema a razão e a verdade, a História, a minha e a sua, a matemática dos descrentes, um amor que não precisa de poesia.
Eu só escrevo para que saibam que um dia houve você; Para que saibam que houve comigo. E os desesperançados saberão que existirão com eles você de cada um [um amor que se encontra leve, quente, pousando em minha chama e se consumindo em mim, e assim será a nossa mensagem para os que morrem e enlouquecem e amam – o futuro será melhor com a nossa história d’amor – e os desesperançados saberão encontrar o seu amor porque saberão de nós – e saberão que haverá com eles também]. Borboleta, já não morres, já não voas. Eu vejo tudo tão claro no branco dos meus olhos: ficas relevo, petrificada, e cristalizas após ser seda de carne, minha asa.
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