Era um menino que precisava de aulas particulares. A mãe combinou tudo por telefone e no dia marcado lá chegou ele todo arrumado, de calças curtas e camisa branca, os cabelos bem penteados fazendo um topete um tanto alto.
O garoto era falante, porém não gostava muito de estudar, nem de prestar atenção ao que eu explicava. Sempre que podia, punha-se a contar histórias do seu cachorrinho ou do papagaio que tinha em casa. Era um custo fazê-lo voltar ao francês, que não lhe interessava a mínima. Mas eu tentava.
Todos os dias ele chegava na mesma hora, sempre bem vestido, penteado, os cabelos molhados e nós trabalhávamos sentados lado a lado junto à mesa da sala de jantar. Dessa maneira eu ficava bem próxima ao meu aluninho.
Lá pela terceira ou quarta aula, comecei a perceber que ele exalava um cheirinho estranho, próprio de suor de criança. Cheiro de cachorro molhado, como dizia minha avó. Examinei bem o menino: impecável, como sempre. Camisa branca acabada de tirar do armário, cabelos penteados, o topete alto, molhado.
Entre o banho e a aula não deu tempo para esse menino brincar, pensava eu intrigada. Se tivesse corrido ou rolado pelo chão, estaria amarrotado...
A partir desse dia, fiquei de marcação. Assim que ele entrava, discretamente eu o inspecionava de alto abaixo e apurava minhas narinas, mas a mesma coisa ocorria sempre: aparência perfeita e o cheirinho azedo.
O tempo foi passando e minha curiosidade aumentando, até que resolvi encaixar a higiene em sua lição. Depois de ensinar-lhe todo o vocabulário sobre este assunto em francês, soltei aquela clássica pergunta que costumamos fazer à s crianças:
_ E você, gosta de tomar banho?
_ Eu?... detesto! Minha mãe me manda tomar banho antes de vir para cá, mas sabe o que eu faço? Me tranco no banheiro, abro o chuveiro e fico do lado de fora. Tiro a roupa suja e molho bem o cabelo. Depois, visto a roupa limpa, me penteio e saio arrumado. Mas não vá contar nada para ela, hein?