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Contos-->UM PESADELO -- 14/06/2014 - 08:56 (GIVALDO ZEFERINO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Naquela noite, acordei apavorado. Eu tremia na cama e balbuciava com a voz meio enrolada: não, não atirem! Por que querem me matar? O que foi que eu fiz? Não podem jogar essa bomba!

Eu era um prisioneiro de guerra. Estava algemado rodeado por uma tropa de soldados inimigos e um oficial me afrontava proferindo uma sentença fatal: você é inimigo de nossa pátria, por isso deve morrer. A lei da guerra dita as normas; nós não podemos desobedecer à lei da guerra. Talvez, em situação de paz pudéssemos ser amigos, contudo a lei manda executá-lo. Quem não matar será morto; o mais forte será o vencedor. Aqui, o sentimentalismo não vigora, desfalece com os vencidos.

Eu dizia: está bem; matem-me então! O que estão a esperar? Por que esclarecer o que já sei a respeito da guerra? Estou vendo que lhes apetece prolongar o tempo que me resta a fim de presenciarem uma cena de desespero e eu não vou lhes implorar que me poupem nem abrirei o meu pranto perante a morte iminente, pois que as emoções não me afetam mais em virtude de terem expirado exatamente naquele instante em que fui capturado por vocês que, quais verdugos impiedosos, não dispensam a oportunidade de ver como se comporta um condenado prestes a ser eliminado do mundo dos vivos.

O oficial replicava: nós não somos tão maus assim. Apenas, cumprimos o nosso dever e queremos ter a devida convicção de que você está consciente da real necessidade de ser executado. Você não é igual aos demais prisioneiros que capturamos. De maneira vergonhosa, eles se arrastavam, chorando e se mijando de pavor, implorando nossa clemência, um espetáculo absolutamente ridículo.

Mais três prisioneiros guiados por outro grupo chegavam sob a mira das armas daqueles homens que os encaravam com hostilidade.

Alguns minutos depois, iniciou-se uma contenda entre os oficiais. A segunda tropa pretendia encerrar em definitivo a situação, disposta a eliminar seus prisioneiros imediatamente. Os primeiros protestavam arrogando-se o direito de deliberar quando e como seu refém haveria de ser julgado.

O que havia me capturado dizia: este, nós o prendemos; portanto seremos nós que vamos julgá-lo. Vocês dispõem dos seus reféns e poderão sentenciá-los da maneira que lhes aprouver.
Os cativos permaneciam cabisbaixos enquanto os captores geravam discrepâncias que concorriam a um impasse.

Um dos condenados, aproveitando a negligência da vigilância, deslizava sorrateiramente numa tentativa desesperada de fuga. Tal proeza, porém, não passou de uma tentativa. Depressa, o outro oficial apontou a arma e crivou seu corpo de balas em plena corrida. Ainda com a arma em punho, trovejou encarando os demais: aquele não precisa mais ser julgado. Quem mais se habilita? Sintam-se à vontade! Indicou o cadáver do fugitivo dizendo: talvez, em vida, tenha sido um grande covarde; os covardes não precisam de julgamento para ser eliminados. Fez uma pequena pausa: alguém mais quer continuar a brincadeira?

Um dos soldados, indignado com o espetáculo, dizia em voz baixa aos presos não ser a favor da guerra, não concordava com os métodos dos combatentes mais arrebatados, tampouco com os pretextos da guerra. A despeito de sua presença no confronto, não estava ali por sua livre vontade. O oficial encarregado bradou: soldado, volte para o seu lugar! Você não sabe que é proibido conversar com prisioneiros? Ou pretende ser fuzilado também? O guerreiro conservou-se imóvel, e afrontou o oficial que repetiu a ordem: volte agora mesmo para o seu posto! O soldado replicou: eu abomino esta guerra e o que vocês estão fazendo! Abomino quem maquinou tudo isso! Abomino vocês e não mais acatarei suas ordens! Maldita seja a guerra! Mil vezes, maldita! Subitamente, alçou sua arma e disparou atingindo um dos guardas. De lá revidaram o ataque; os disparos vieram em sua direção eliminando o valente guerreiro que se predispunha a contestar uma guerra que não era sua. Disse o outro oficial: a brincadeira está indo longe demais. Removeremos nossos detentos para outro local e lá os julgaremos.

Alguns minutos depois, o som característico das metralhadoras anunciava a execução dos mesmos.

Meu captor encarou-me: está ouvindo? Lá eles já encerraram a questão enquanto você ainda respira. O desfecho é muito fácil. É só pegar isto aqui (e mostrou-me a metralhadora) e... rá-tá-tá-tá-tá! No entanto eu ainda não determinei a hora de sua execução. Repare bem esses subalternos: basta fazer um sinal; prontamente se arremessam como lobos ferozes contra o alvo indicado. Eles foram treinados para matar, para defender a Pátria. O que você presenciou, aquele incidente provocado pelo recruta rebelde, não existe. Até hoje na história do mundo jamais foi registrado caso idêntico. Tal ocorrência não mais será repetida na história porque o soldado não é preparado para ter sentimentos. Sempre foi assim e assim será. Em seguida adiantou: você deve estar com fome. Mandarei providenciar alguma coisa para comer. Não admito que meus prisioneiros sejam maltratados.

Assim que se afastou, um ataque inesperado surgiu dos ares. Aviões carregados disparavam bombas mortíferas sobre a região; todos corriam apavorados em busca de um esconderijo para se proteger. Nessa agitação, esqueceram-se de mim. Perto da cabana onde eu estava detido explodiram uma bomba, alguns estilhaços penetraram meu corpo causando-me fortes dores e perda de sangue. Escutei um ligeiro ruído e, de relance, notei que alguém se arrastava todo ensanguentado em minha direção. Com dificuldade, aproximou-se e me libertou dizendo num sussurro agonizante: vá embora! Você... está livre... Pode...

Desfaleceu. Tratava-se do oficial que tanto protelara a minha execução. Examinei-o com atenção e constatei que não mais respirava. Estava morto. Deixei o local cambaleando por entre os destroços, com a roupa toda ensopada de sangue. O som das máquinas destruidoras ecoava ao redor causando grandes estragos na região. No meio do tiroteio, eu avancei sem reparar em que lado me posicionara. De repente, meu corpo converteu-se em alvo das armas de uma tropa que eu não soube distinguir se eram amigas ou inimigas. Em meu delírio, eu gritava assim para eles: por favor, não joguem essa bomba agora! O dia surgiu deslumbrante, os pássaros cantam felizes, crianças brincam felizes... Não joguem essa bomba! Amanhã haverá casamentos; hoje tem espetáculo no circo; há pouco nasceu um bebê tão gracioso!... E a disputa dos jogos olímpicos? Vai ter natação, voleibol, handebol, judô, caratê, futebol... Vocês gostam de futebol?... Haverá concurso de miss esta noite, as mulheres mais lindas irão desfilar! Depois, vai haver concurso público. Tem muito desempregado esforçando-se para arranjar um emprego, tem muita gente esperando receber o salário do mês para quitar suas obrigações. Se vocês jogarem essa bomba, tudo irá pelos ares. Muita coisa será destruída: a escola, a capela, o edifício, o hospital... o mundo será destruído; as crianças morrerão, o rapaz, a moça, o homem, a mulher, o velhinho, a velhinha morrerão; animais de estimação morrerão. Outros animais também morrerão. Bomba não tem coração, não tem piedade. Por favor, não joguem essa bomba! Talvez, algum dia, alguém resolva desativá-la, ela não explodirá e nunca mais haverá bombas na face da terra. A paz reinará em todos os corações. Por favor...

Acordei, antes de ser alvejado enquanto proferia palavras ininteligíveis e esfregava os olhos.
Que pesadelo medonho! Parecia real! Arrepio-me todo quando esse sonho me vem à memória.

(Extraído do livro Conversa com uma boneca de pano, publicado no Clube de Autores)


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