OS MURALISTAS
José Eurípedes de Oliveira Ramos
Embora uma família aparentemente normal, penso que tínhamos um traço de maluquice, quando fomos morar em uma pequena chácara próxima do Poli Esportivo. Os filhos eram pequenos (Guilherme, Luciana e Liliana: 6, 4 e 2 anos de idade).
Um dia, surgiu do nada um desenho numa das paredes da sala de jantar. Bronca leve, desmaiada -o desenho era bonitinho. Dias depois, outro desenho engraçadinho e outra bronca frágil, acompanhada da exigência de que o autor ou autora apagasse. Ninguém apagou, dedou ou castigou. O desenhinho ficou e os pais fingiram miopia, combinados em não sufocar a criatividade do futuro (ou futura) artista -a cada dia o desenhozinho parecia mais engraçadinho. Mais desenhos e até pinturas surrealistas, neo-acadêmicas, figurativas ou artisticamente inclassificáveis foram surgindo, agora claramente de autoria de mãos diferentes, em silêncio lealmente compartilhado pelos três anjinhos.
A omissão passou a comprometer a autoridade paterno-maternal. Convocou-se a Assembléia Geral Extraordinária. Solenemente instalada, passaram as partes a parlamentar e a democraticamente decidir.Por escrito, a oposição propós: 1. deixar a parede como estava; 2. liberdade total aos promissores artistas; 3. plena e irrevogável imunidade a castigos; 4. o fornecimento do material necessário ä continuidade da arte; 5. ampliação da área do exercício vocacional desenvolvido -foi assim que escreveram. Juro! Colhidos os votos em urna secreta, a oposição venceu por três a dois. A partir daí, a sala toda se transformou em um mural consagrado pela vontade popular e pelo incentivo dos amigos -aqui pra nós, um extenso e adorável mural: as paredes recobertas por flores, carinhas, casinhas tortas (algumas sem portas), galinhas de quatro patas...
O que destoava era a reação horrorizada de parentes e de alguns visitantes despreparados para a largueza da arte. Olhares surpresos ou disfarçados, comentários intrigados, irónicos...
E nós, nem aí!...
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