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Contos-->A Ção dos pastéis -- 17/09/2013 - 11:59 (Brazílio) |
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Você que é do tempo do ginásio, Gildásio, comigo há de convir: muito lá teve que
esgrimir. Minha vida ginasiana foi de 62 a 65: peguei uma Copa e uma revolução.
A ilusão da Copa murchou logo na edição seguinte do torneio, mas a redentora só
nos deixaria ao completar sacudidos 21 anos.
Concentremo-nos contudo naquele quadriênio que me marcou a existência, e por
pouco teria desaguado na desistência, pois foi um período conturbado lá em casa, e
papai, desiludido com a fábrica, começava a se persuadir de que a melhor
educação para a juventude era o trabalho. Trabalho mamãe teve em convencê-lo
do contrário, mas sua perseverança prevaleceu.
E, com a irmandade, ia tirando de letra, nem sempre na melhor grafia, os encargos
letivos. Era, em geral, de boa qualidade o corpo docente, e havia aquela motivação
de se estar aprendendo algo além, que nos levaria a ser mais alguém. E até a
companhia, com que se competia, bem fazia.
Driblar a fome ao longo da quatro a cinco horas matinais é que era um desafio. E
aí, não se singularizavam os menos dos mais aquinhoados. Todos éramos uns
esfomeados, pela dureza da concentração nos estudos, ainda agravados. Ainda não
havia uma cantina e se houvesse, estaria acima de muitas posses.
Foi quando a Ção deu sua lição: sem quiçá ter encarado o primário, lá de seu fundo
de quintal, que divisava os terrenos do ginásio, a Ção, em ação, desafiou a cerca
de arame farpado para oferecer um café com pastel para a molecada. Mas mais do
que a cerca, rompeu ela também o apartheid da negritude, que tanto desilude,
num café ainda mais preto do que sua pele. E o suplementou com pastéis. Que não
chegavam a uma brastemp, tanto em forma ou conteúdo, mas que enganavam a
fome. Também não davam pro bolso de todos, mas atendiam os mais afoitos.
Sem acesso regular àquela iguaria, arranjei, todavia, uma forma de homenagear a
pasteleira quando o Professor Plínio Malachias, entusiástico, bombástico, nos
tentava inculcar as noções dos modos e tempos do verbos. À sua pergunda a quem
pudesse definir o que era ação, eu lasquei: a Ção é aquela mulher que vende
pastel. Mas minha voz foi tão fraquinha, vai ver que de fome, que só um colega ao
meu lado, o Osvaldino, foi que notou e me olhou atônito: se o Professor tivesse
ouvido o que Vc falou ele te botava pra fora. E não sendo a hora do recreio, nem
pastel - sem recheio - eu poderia comer. |
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