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Cronicas-->Lorde Vira -- 19/02/2007 - 20:01 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Lorde Vira


Naquele fim de tarde, quando ele passou cabisbaixo defronte à casa do doutor Carlos, era apenas um cão de rua, um vira-latas sem nome e sem destino. Mas deu sorte, muita sorte, porque o doutor era veterinário e tinha um coração bom, tão mole que parecia manteiga derretida. O pequeno cachorrinho estava destroçado, as pernas bambas tremiam, as orelhas tinham sido rasgadas e dilaceradas, denunciando supostas brigas por comida, corajosamente travadas nos becos contra desproporcionais colegas de infortúnio. O doutor Carlos, que amava e entendia a alma dos animais, mandou que ele parasse e foi imediatamente obedecido. Na sequência, o cachorrinho sem nome foi recolhido para dentro da casa grande e rica. Um vizinho carioca, que presenciava a cena, viu naquele minúsculo cão algum sinal de altiva nobreza e disse: "Esse "porquera" parece um Lorde inglês, veja a pose dele...". E parecia mesmo um lorde, era um perfeito nobre inglês de sangue azul e tudo o mais que tivesse direito. Seu nome ficou sendo Lorde.
Uma pena que ele não teve vida de Lorde por muito tempo, mas honrou a sua nobreza até o último dia de vida. Na primeira semana de cachorro rico, as feridas e perebas do Lorde consumiram da farmácia do doutor Carlos dois tubos de Nebacetin e um de Trofodermim. O novo amigo vermifugou e alimentou aquele que fora até então apenas um rejeitado cão das ruas. Na verdade, o bom doutor Carlos fazia uma caridade, um Investimento a fundo perdido, já que não acreditava que ele durasse muito. Um mês depois, Lorde já era outro, engordou e ganhou pelos novos, longos e lustrosos. Uma coisa, porém, o Lorde não aceitou: a coleira. Se o doutor Carlos tentasse colocá-la no seu pescoço ele dava saltos circenses monumentais, contorcia-se, mordia, como que querendo dizer ao seu novo dono que preferia morrer a ficar amarrado. Lorde era um cachorro livre, preferia morrer pobre na rua a levar vida de rico e ficar preso na casa chique do amigo Carlos. Para os cães, não tem essa de doutor, para eles só existem amigos.
O Lorde queria ficar livre? Então que ficasse, pensou o doutor, mas que ostentasse ao menos um nome, uma identidade no pescoço, um endereço para ser respeitado. O doutor Carlos já estava amando aquele "porquera" e queria que soubessem que o Lorde não era cachorro sem dono e providenciou um colete (um trançadinho de couro vermelho que lhe cobria as costas e o peito) e botou no teimoso. Liberou-o em seguida para que vagasse livre e solto pelas ruas do bairro. Agora, aonde fosse levava pendurada no pescoço uma medalha dourada, ostentando orgulhoso o seu novo e nobre nome: Lorde.
Eu era vizinho e também fiz amizade com o Lorde. Durante vários meses ele me acompanhou nas caminhadas de aposentado pelas ruas quase desertas do bairro novo. Defendeu-me de inimigos imaginários, enfrentou enormes cachorros de raça que vinham nos hostilizar quando passávamos defronte das suas mansões milionárias, deu carreiras inúteis em feias corujas e caburés, espantou para longe irascíveis quero-queros. À noite, exausto, voltava para dormir junto à porta do amigo doutor, mas o seu dia era livre, disso ele não abria mão.
Lorde agora andava por todos os lugares, o mundo era seu. Num certo dia, ó tristeza de vida, o doutor Carlos bateu na minha casa e vi que ele estava com os olhos vermelhos. Chamava-me de Ferreira e foi dizendo: "Olhe, Ferreira, se você quiser visitar o Lorde, ele foi enterrado lá perto do depósito de tubos..."
Tinham matado o Lorde na noite anterior. Deram um tiro nele pra roubar a coleira chique que ele nunca gostou de usar. Adeus, meu Lorde.


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