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cronicas-->Batatinha -- 16/02/2007 - 07:42 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Batatinha

Os mineiros gostamos muito de comer batata doce, que pode ser frita, assada ou cozida e pode ser também preparada em forma de um doce chamado marron-glacê. A batata inglesa não é muito comum de se encontrar no interior de Minas, que é conhecida por lá como sendo "batatinha". O meu irmão mais velho, o Vavá, sempre foi muito doente e gostava de comer "batatinha". Batata doce ele não apreciava nem um pouco. Volta e meia, a minha mãe fritava umas "batatinhas" só pra ele, salgadinhas e exclusivas. Nós, os outros sete irmãos, sentíamos o cheiro gostoso da fritura e ficávamos rodeando e salivando perto do fogão. Mas era inútil o nosso apelo: as "batatinhas" eram poucas e todas destinadas ao Vavá. Quando a minha mãe adoeceu para morrer, ainda jovem com apenas 39 anos, foi internada na santa casa de Mantena, uma cidade que ficava distante, a uns quarenta quilómetros da Vila de Água Doce, aconteceu que eu já tinha treze anos e estava de malas prontas para vir embora para Barra do Piraí,RJ, onde o meu outro irmão tinha arrumado um emprego de garçom para mim.
Eu só aguardava carona de algum caminhão para partir. E foi exatamente nesses dias tristes que surgiu uma carga de café para o Euzébio levar ao Rio e eu segui com ele. Antes, passei por Mantena e fui ao hospital despedir-me da minha mãe. Foi tudo muito triste e eu nunca mais me esqueço daquele dia. Ela estava sozinha, branca e magra como sempre, perdida numa enfermaria imensa. Acho que adivinhou que eu estava indo embora e pressentiu que nunca mais me veria. Minha mãe chorou quando me viu -e aquela realmente foi a última vez que nos vimos. Nunca mais vi a dona Francisca com vida.
A visita não podia demorar e fiquei com ela pouquinho tempo, por aproximadamente meia hora. Conversamos coisas bobas, triviais. Falei pra ela que o Juca andava nervoso e não tinha paciência para cuidar de nós, os filhos. Ela já sabia disso, conhecia bem a "peça rara" do marido e esboçou um leve sorriso. Na hora de me despedir dela, minha garganta doeu, tive vontade de chorar. O motorista Euzébio estava esperando impaciente para iniciarmos a longa viagem até o Rio de Janeiro. Apoiei-me na cama macia, dei um abraço bobo nela e fui saindo devagar -como se estivesse amarrado por corda invisível-, e atravessei a longa enfermaria em direção à porta. Embora ela estivesse muito doente, quase morrendo, minha mãe só pensava nos filhos. Na saída ela ainda me disse, talvez para disfarçar a imensa tristeza: "Se você se lembrar, mande um quilo de "batatinha" para o Vavá... ele gosta muito..."
Não olhei para trás, não tive coragem. Segui ouvindo seus soluços tristes e abafados, contidos por uma educação que só ela sabia ter, ao longo do interminável corredor que me levaria à porta. Peguei a minha mala (uma vergonhosa mala de fibra, com cantoneiras de metal), e parti. Fui embora para encarar a nova e incerta vida. Sei que eu devia ter olhado mais uma vez pra ela, acenado com a mão, dado um beijo nela, mas não olhei nem acenei e até hoje me arrependo disso. A verdade é que nunca mais vi minha mãe com vida. O choro triste e doído da dona Francisca, a "batatinha" do Vavá que nunca lembrei de comprar, jamais me saíram da memória. E, ainda hoje, quando sinto cheiro de batatinha frita, lembro daquele dia triste e choro. Até um dia, mamãe!
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