Rio Doce
Vida, morte e ressurreição
De um Rio Sagrado
Márcio Filgueiras de Amorim
Poesia
O Rio Doce...
Um olho d`água brota na montanha.
Água boa, fresca e límpida a correr.
Irriga a terra e faz brotar sementes.
Sacia a sede de pássaros e insetos.
Água serpenteia por pedra e terra.
Barulho manso que é canto de vida.
Junto a farfalhar de folhas ao vento.
Chilrear de pássaros. silvos, passos.
Peixes, caramujos, festival de vida,
Plantas aquáticas e nas margens.
Brilho do sol refletido em mil pontos.
Divino derramado permeando terra.
Água é signo de vida e de presente.
Herança ancestral de céu e da terra.
Divina lembrança ofertada a todos.
Pureza, tesouro uma oferta de Deus.
Forte se faz a medida que avança.
Cortando a rocha, a terra no curso. Irrigando matas e verdes campinas.
Animais, aves, ervas, flores, é vida.
Tão amigo do homem lhe transporta.
Alimenta, refresca e sacia sua sede.
Banha seu filhos e lhe alveja a roupa.
Permite cultura, bênçãos e morada.
A chuva...
Rio corre na terra, nas nuvens no ar.
Infiltra-se subterrâneo ainda um rio.
Rio que sobe dentro de cada árvore.
Rio em nossas artérias água da vida.
Chuva a cair como chorar de alegria.
Um renovar da alma do mundo todo.
A luz solar capturada por mil gotas.
Folhas crescem a renovar em verde.
Tamborilar ao cair a sinfonia única.
Espetáculo da natureza sem ensaio.
Uma cortina d`água a tudo encobre.
Esplendo de Luz retorna renovado.
Como o céu cuidando de seu Rio.
Qual filho querido a ser alimentado.
A chuva traz a força da renovação.
Que compartilha com todo seu vale.
A Flora...
Deus derramado em toda natureza.
Deusa flora como o Deus manifesto.
Da árvore frondosa a humilde grama.
Explosão de flores, frutos, sementes.
Floresta cerrada, camadas de vida.
Bosques, campinas, vales e montes.
Verdes e pinceladas de várias cores.
Que artista inspirado os veio criar?
Vida aquática, espetáculo, alimento,
Jardim delicado, explosão de vida,
Folhas entremeadas com caramujos,
Peixes a guisa de flores entre flores!
Sementes, voadoras ou flutuantes,
Projeto de seres lançadas ao vento,
Milagres, grandiosa árvore, intenção,
Minúscula grama, não importa, vida!
A fauna...
Somos uno com toda a natureza!
Batemos as asas com cada colibri!
Irmãos de insetos, répteis e vermes!
Corremos unidos com cada vivo ser!
Como os antigos acreditavam então,
Com as aves adentrávamos o céu!
Representados por feras no mundo!
E por serpentes nós subterrâneos!
Precisamos reaprender a unicidade!
Que a fauna rica representa a vida!
Que nossa saúde depende do todo!
Somos plenos se a terra também sã!
Voltar a auscultar o coração da terra!
Sentir os rios como artérias a pulsar!
Perceber as floresta como pulmões!
Contemplar no sol divino esplendor!
A vida...
O que representa a vida de um Rio?
A alegria de dar um longo mergulho?
De nossos peixes com filho buscar?
De nadar e outra margem alcançar?
O simples que ao perder se percebe!
Encanto, o pequeno está esquecido!
Que falta faz ao se negar a um filho,
A referência de ao Rio ser seu lugar!
Que herança maior que um dia legar,
Água boa, límpida, pura e cristalina?
Um Rio repleto de vida e de peixes,
Serpenteando dos campos ao mar?
Responsabilidade de ao outro deixar
Coisas tão simples que recebemos,
Que só valorizamos ao quase perder,
O nadar, mergulhar em vida, pureza!
Desconexão...
Desconectado com o fluxo de vida,
Que é o rio claro a correr pro mar!
Água pura e cristalina, chuva retida,
Berçário, paraíso, estrada e celeiro!
Desconexão que permite a morte,
Que fecha os olhos ao lento secar!
A morte de um rio é a nossa morte,
Da Floresta, dos peixes e campos!
Desconectado o homem está morto,
Inconsciente de nosso lento morrer!
Esquecidos da unicidade: homem,
Peixe, pássaro, mata, Rio e o mar!
Desconexão que é fechar os olhos,
Não se importar com a nascente,
Com a seca, a escassez de chuva,
O assorear que não chega ao mar!
Morte anunciada...
Um rio canaliza o fluxo da vida!
Água boa filtrada por mãe terra!
Continua no solo o rio dos céus!
Chuva recolhida entre florestas!
Terra nua e a vegetação cortada,
Tornar o rio antes puro, esgoto,
Poluir os campos, o ar e a água,
Sentença de morte certa anunciada!
A vida resiste bravamente se pode!
A flora renova o oxigênio em verde!
O vento infiltra em ar todo turbilhão!
Peixes teimam ainda em multiplicar!
Assoreado já não serve de estrada!
Rica terra se encaminha para o mar!
Seca de olhos d`água sem o verde!
Sem cabelos nada mais das águas!
Tragédia...
Barragens, que aprisionam morte!
Coletada a escória da ganância!
De forma descuidada, acumulada!
O que não recicla e estagnado está!
A terra revirada para extrair o ferro!
Que o espaço sideral aqui lançou!
A lama morta resultante aprisionada!
Insano não lembrar que tudo fluirá!
Se grandioso é o descuido, afinal,
Grandiosa será a tragédia no final!
Um rio de morte e lama e lágrimas!
Um fluir de dor, um tão pútrido olor!
Destruído o cenário já tão sofrido!
Assoreada a vida, morto todo o rio!
Apunhalado o mar em drama, horror,
Restará a esperança em Pandora?
A morte de um Rio...
Se a água traz a vida e a faz brotar!
Se um Rio representa a sanidade!
Se todo um vale com ele troca água!
Se Rio representa a cultura do lugar!
Como será seu funeral? Mortalha?
Pra qual velório há de se convidar?
Enterrado em lama morta e pútrida?
Que flores tétricas no túmulo lançar?
Onde há de perambular sua alma?
Onde seu espírito ficará a vagar?
Quem seu fantasma assombrará?
A todos nós, por certo, tão omissos!
Assumamos o ofício de carpideiras!
Cubramos de cinzas logo a cabeça!
Rasgadas nossas vestes em tiras!
Órfãos ressecados afinal estamos!
O sonho de ressurreição
Se Deus permitiu ao homem sonhar!
Se diferenciou o homem por pensar!
Se assim o fez da criação partícipe!
Se assim o é para o melhor e o pior!
Sonhar com fazer o Rio renascer!
Cuidar de sombrear cada nascente!
Topos de morro em floresta retornar!
Mata ciliar em seu trajeto replantar!
Repovoar de vida a água que surgir!
Cuidar de lixo e esgoto não no Rio!
Respeito, civilidade, cidadania, vida,
Que da tragédia reste consciência!
Cúmplices do homicídio se o fomos!
Não sejamos omissos com o reviver!
Se possível o renascimento, avante!
Trabalho hercúleo seus filhos unidos!
Ressurreição de um Rio...
Ressurreição é sempre um mistério,
Possibilidade com algo de milagre!
O nascer de novo e o que representa
Milagre e mistério de vida retornar!
Ressurrecto um rio é um universo,
Desde a pequena fonte que brota,
Trazendo vida ao leito de um rio,
Que serpenteia por floresta ao mar!
Ressurreição representa herança,
Poder aos filhos e aos netos deixar
Um mergulho no Rio e se refrescar
O poder um peixe ainda alcançar!
Ressurrecto com o Rio, o homem,
A vida, os peixes, florestas, campos,
A lavoura, o lento e o calmo velejar,
A cultura e o pertencer de um lugar!
O Rio renovado...
Todo Rio é fluxo, vida e cultura!
Todo Rio nomeia toda sua região!
Todo Rio acolhe como filhos seus!
Todo Rio é estrada, porto, amplidão!
Esperança de ter água boa e limpa!
Com vida abundante em explosão!
Ponto de pesca, lazer e irrigação!
Com margens cobertas de florestas!
Sonho possível aprender com o erro!
Ter bosques nós topos das colinas!
Mata ciliar nas margens pelos Rios!
Nascentes protegidas entre matas!
Que tragédia nós traga aprendizado!
Aprender com o erro é uma solução!
Ver a água límpida buscando o mar!
Fonte de vida, beleza, abrigo e paz! |