Em relação à boca de cena da Casa do Artista, na plateia dispunham-se à direita os artistas do "não" e à esquerda os do "sim", tentanto dirimir o confronto que se estabeleceu à volta de um assunto assaz delicado e sério que, colocado em referendo, está a atingir as raias do ridículo. De resto, seja na vertente que for, o que é que de sério ainda sobra que não rasteje no ridículo? Inclusive, o Ministério da Justiça está neste momento a averiguar como foi possível colocar sob a caneta do Presidente da República um indulto adulterado, espécie de sintoma que indicia um come-e-dorme permanentemente instituído.
Com a partidocracia toda embrulhada na fralda, aí está a desarvorada corrida dos espermatozóides em busca do almejado óvulo. E é um regalo vê-los e vê-las esticarem o pescoço quanto podem para chegarem ao alvo.
Exibem-se gráficos que intentam provar que a interrupção - há quem lhe chame com propriedade exterminação - voluntária de gravidez despenalizada, nos países que adoptaram o efeito, produziu cinco vezes mais abortos do que a anterior situação.
É engraçado verificar que aqueles e aquelas que mais protagonismo conseguem implantar no desiderato, estão já a milhas da pragmática aflição de fazer ou não um filho.
Dadas a publicidade e a campanha que decorre é natural que os portugueses que não têm a oportunidade de debitar tanta e tanta asneira acorram em significativo número para exprimirem silenciosamente o seu "sim" ou o seu "não", o que no fundamental objectivo em apreço constitui o aprazível maná que os arcanos políticos pretendem.
Em cada litigante constata-se com nitidez que a posição assumida, aquém e além do aborto deveras, está sim fixada no sítio donde lhe provém a choruda sustentação social, uma espécie de milagre indiferenfe a todas as miseráveis lástimas com que o país se debate cada vez mais a fundo. Os que de facto são dignos na alorpante batalha, até na indignação, são muito poucos e deixam os cantos da boca de todos os outros em sublinhado sorriso...
Ora teremos pois, no próximo domingo e logo que a noite se implante, um bom motivo para ficarmos defronte ao televisor na curiosa expectativa de sabermos qual foi a opção maioritária que determinamos sobre uma causa que sequer opção tem.
Oh, dona Fátima Campos Ferreira, é ou não é verdade? O que os portugueses gostam mesmo é de bater palmas, muitas palmas, estão sequiosos e famintos de palmas...