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cronicas-->EM SE PLANTANDO, TUDO DÁ -- 04/02/2007 - 01:24 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
EM SE PLANTANDO, TUDO DÁ

Francisco Miguel de Moura*

O pensamento mágico da criança é um dos maiores atrativos para as pessoas simples. Os pais se comprazem nas «tolices» de seus filhos, com razão, porque são elas, muitas vezes, raras jóias poéticas.
Pensando em sua vida de criança, Chico lembra de um pequeno lampejo entre a fantasia e a realidade. A imaginação já permeava certamente as duas. E a palavra fantasia, por falta de expressão melhor, aqui quer significar o pensamento mágico infantil. Era no tempo das chuvas, que os nordestinos chamam de inverno, em contraposição à estação seca que é denominada verão. No inverno se plantam as roças e no verão, as vazantes.
O menino estava na casa do avó, que lhe parecia tão grande quanto eram pequenos alguns dos meninos que a frequentavam, seus netos. Quando juntos, eles brincavam de se esconder, de cabra-cega e de outras brincadeiras que já não existem mais. E principalmente de ser gente grande: pescar, andar a cavalo (cavalo-de-pau), plantar roças, etc.
Naquele dia Chico ficara sozinho. Sua memória não diz para onde fora a mãe nem o pai. Este certamente estava na limpa das roças, com seus tios e tias. Era dia de adjutório. Os demais netos de seu avó tinham ido para casa - a casa de seus pais. Ele ficou, mesmo porque sua casa era longe, no Curral Novo, e não ali no Diogo. A época do plantio já passara. Fora um «barato» ver o feijão e o milho nascidos. Nunca tinha visto. Olhava de noite quando ia dormir e de manhã quando acordava estavam no mesmo lugar, do mesmo tamanho. Sabia do crescimento porque quando chegara os pés de milho e as touceiras de feijão ainda estavam pequeninos. Havia um cercado atrás da casa grande do avó. A roça atual era bem pra lá desse cercado, que se tornara uma espécie de capoeira onde cresciam ervas daninhas como cansanção e urtigas, matapasto e vassourinhas. Naquela ausência prolongada dos grandes, pega de uma enxada e começa a cavar covas enfileiradas, na parte atrás da casa, que se estendia até o cercado de cercas caídas; depois o serviço foi no amplo terreiro da frente; era como se fosse plantar milho e feijão. Depois de ter preenchido os terreiros de covas, ficou procurando o que plantar. Não havia. As sementes de legumes tinham sido levadas para a roça. Os mantimentos ficavam na dispensa, e trancados. Sua avó, pitando o cachimbo, fiscalizava a casa. Nada podia fazer. Imaginou todas as formas. Com os grandes olhos malinos de criança, enxerga, num canto, um monte de tabatinga que sobrara da última limpeza da casa, cujo trabalho os grandes chamavam de caiação. Não contou um nem dois. Pega os pedaços maiores e quebra todos em miudinhos, com uma pedra, e começa o serviço: semeia-os em cada cova. «Em se plantando, tudo dá», já ouvira isto. Vai ver que dali nasceriam pés de tabatinga para a próxima caiação da casa. Saber ele não sabia que tabatinga não dá em pé como árvore ou arbusto. Só estava imitando o que os tios faziam com os cereais. Não sabe o que aconteceu depois. Lembrança fraca, a do menino Chico. Ou a idade ainda não era suficiente para gravar? Anos depois, ainda fascinado, embebido de prazer, o menino ri da própria ingenuidade.
O avó, chegando de sua labuta e com a toda a canseira peculiar, vê aquilo e acha muito estranho. O terreiro todo cavacado, a areia arrepiada, uma enxada à revelia.
- Rosa, quem fez este serviço?
- Foi Chico de Miguel - responde a avozinha, sem intenção de denúncia.
Depois de observar tudo, inclusive cavando com a mão o que o menino havia entupido, foi até o canto onde havia arrumado a tabatinga que sobrara da limpeza da casa.
- Meu filho, foi você?
- Fui eu mesmo, padrinho.
Sinhó do Diogo deu um risinho de contrariedade, em seguida descerra o cenho, ri com gosto e pergunta:
- Que é que você pensa que fez?
- Plantei tabatinga.
Com carinho jamais visto, o velho apanha o neto pelos braços e o coloca nos seus joelhos, tentando explicar tudo direitinho, de maneira clara e resumida. Depois lhe aponta a figura duma onça que mandara pintar na parede caiada de novo:
- Quando você crescer, quero que seja um caçador de onças como seu avó.
Por algum tempo ainda o menino ficou a pensar em caçadas. Não sabia o que era. Teve vergonha de perguntar. Muito tempo depois daquele dia teve a oportunidade de ir a uma caçada de tatu, daquelas em que o caçador sai à boca da noite e só volta pela madrugadinha, todo arranhado, cheio de espinhos, sujo de areia e barro, roupa rasgada, além de ter corrido o risco de ser mordido de cobra. A caça era gostosa, comia-se o tatu cozido, de pirão, raramente assado ou de outra forma. Ele, ainda menino, apenas ajudara os outros levando um instrumento como facão, pá ou enxada.
Voltou todo desiludido. Caçar, nunca mais.
Que pensaria, hoje, seu avó Senhor do Diogo, se soubesse que o neto é um medroso, um poltrão, que nunca caçou onça, que vive somente caçando letras, palavras, discurso?
«Em se plantando tudo dá!»
Dá, sim. Deu poesia. Aquela plantação de tabatinga ficou. Ninguém mexeu no serviço do menino. Até que a chuva apagou os sulcos e as protuberàncias do terreno. E quando o avó contou aos demais de casa, todos riram condescendentes. Risos inocentes como a imaginação e os sonhos de criança.

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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, PI. E-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
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