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Contos-->ALUCINAÇÃO - 1 -- 16/12/2012 - 18:00 (GIVALDO ZEFERINO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Naquela noite, Samuel acordou atarantado, balbuciando e agitando-se na cama.
- Não! Não atirem! Por que querem me matar?... O que foi que eu fiz?... Não podem jogar essa bomba!... Que mal...
Sara foi despertada pelos abalos e esforçava-se por apaziguá-lo.
- Estou todo ensanguentado, Sara! Eles me explodiram!... Estou morrendo!...
- Calma! Foi apenas um pesadelo! dizia ela, enquanto massageava seu corpo.

Ele era um prisioneiro de guerra. Estava algemado, rodeado por uma tropa de soldados inimigos, e alguém lhe proferia uma sentença fatal:
- Você é inimigo de nossa pátria, e por isso, deve morrer. A lei da guerra dita as normas, e nós não podemos desobedecer à lei da guerra. Talvez, em situação de paz pudéssemos ser amigos, mas a lei manda executá-lo. Quem não matar será morto, irremediavelmente, e o mais forte será o vencedor. Aqui, o sentimentalismo não vigora; desfalece com os vencidos. A voz do coração será silenciada pelo som dos instrumentos mortíferos de guerra.
- Está bem. Matem-me então! protestou Samuel. O que estão a esperar? Por que esclarecer tudo o que já sei a respeito da guerra? Estou vendo que lhes apetece prolongar o tempo que me resta, a fim de presenciarem uma cena de desespero, mas eu não vou lhes implorar que me poupem, nem abrirei o meu pranto diante da morte iminente, pois as emoções não me afetam mais, em virtude de terem expirado, exatamente, naquele instante em que fui capturado por vocês que, quais verdugos impiedosos, não dispensam a oportunidade de ver como se comporta um condenado prestes a ser eliminado do mundo dos vivos.
- Nós não somos tão maus assim. Simplesmente, cumprimos o nosso dever, e queremos ter a devida convicção de que você está consciente da real necessidade de ser executado. Você não é igual aos outros prisioneiros que capturamos. Vergonhosamente, eles se arrastavam, chorando e se mijando de pavor, implorando nossa clemência, um espetáculo absolutamente ridículo.
Mais três prisioneiros guiados por outro grupo chegaram aterrorizados, sob a mira das armas daqueles homens que os encaravam com hostilidade.
Alguns minutos depois, iniciou-se uma contenda entre os oficiais. A segunda tropa pretendia encerrar de vez a situação, disposta a eliminar a todos imediatamente. Os primeiros protestaram, arrogando-se o direito de deliberar quando e como seu refém haveria de ser julgado.
- Este, nós o prendemos; portanto, seremos nós que vamos julgá-lo. Vocês dispõem dos seus reféns e poderão sentenciá-los da maneira que lhes aprouver.
Os cativos permaneciam cabisbaixos, enquanto os captores discutiam e geravam discrepâncias que concorriam a um impasse. Um dos condenados, aproveitando a negligência da vigilância, deslizava, sorrateiramente, numa tentativa desesperada de fuga. Tudo, porém, não passou de uma tentativa. Imediatamente, um deles apontou a arma e crivou seu corpo de balas em plena corrida.
O outro oficial trovejou, encarando os demais:
- Aquele não precisa mais ser julgado. Quem mais se habilita?... Sintam-se à vontade!
Indicou o cadáver do fugitivo dizendo:
-Talvez, em vida, tenha sido um grande covarde, e os covardes não precisam de julgamento para ser eliminados.
Fez uma pequena pausa:
- Alguém mais quer continuar a brincadeira?
Samuel revivia sua infância: Perto de fazer seus oito anos, juntava-se à meninada da rua para brincar. A brincadeira de guerra era o entretenimento mais apreciado. Munidos de espingardas e revólveres de madeira, feitos por eles mesmos, dividiam-se em dois blocos adversários, e iniciavam a batalha: Bam!... Bam!... Bam!... O que era visto primeiro e recebia o tiro, devia cair, fingindo-se de morto, e era excluído do combate. Prosseguiam o folguedo até que uma das tropas derrotasse a outra, mas, como sempre, havia os mais espertos que escapuliam sem obedecer às regras impostas.
- Você morreu! Está excluído!
- Mas você não fez Bam!
- Fiz sim.
- Você não está sendo leal. Assim não dá!
Apesar das malandragens de sempre, as desavenças do dia anterior eram esquecidas, e o novo dia trazia de volta o recomeço com aquele entusiasmo normal da idade. Tratava-se apenas de uma guerra de mentirinha, e todos estavam vivos e dispostos. Aqui, entretanto, o fugitivo caiu de verdade, morreu de verdade. Ele não pôde fingir-se de morto nem enganar seus detentores dizendo que não havia escutado o estampido da arma que não era de mentira. Era real, cruel, mortífera, fatal. Um dos soldados, revoltado contra tudo aquilo, dizia, em voz baixa aos presos que não era a favor da guerra, não concordava com os métodos dos combatentes mais arrebatados, tampouco, com os pretextos da guerra. A despeito de sua presença no confronto, não estava ali por sua livre vontade.
- Soldado, volte para o seu lugar! bradou o oficial encarregado. Você não sabe que é proibido conversar com prisioneiros? Ou pretende ser fuzilado também?
O guerreiro conservou-se imóvel, e afrontou o oficial que repetiu a ordem:
- Volte imediatamente!
O soldado replicou:
- Eu abomino esta guerra e o que vocês estão fazendo! Abomino quem provocou tudo isso! Abomino vocês e não mais acatarei suas ordens! Maldita seja a guerra! Mil vezes, maldita!
Repentinamente, alçou sua arma e disparou, atingindo o oficial e outros dois soldados. De lá revidaram o ataque e os disparos vieram em direção do valente soldado que ousara contestar uma guerra que não era sua.
Disse outro oficial:
- A brincadeira está indo longe demais. Removeremos nossos detentos para outro local e lá os julgaremos.
Alguns minutos depois, o som característico das metralhadoras anunciava a execução dos mesmos.
O oficial arrostou Samuel:
- Está ouvindo?... Lá, eles já encerraram a questão, enquanto você ainda respira. O desfecho é muito fácil. É só pegar isto aqui (e mostrou-lhe a metralhadora) e...rá-tá-tá-tá-tá! Mas eu, ainda, não determinei a hora de sua execução. Repare bem esses subalternos. Basta fazer um sinal, imediatamente, se arremessam, como lobos ferozes, contra o alvo indicado. Eles têm sede de sangue porque foram treinados para matar, para defender a Pátria. O que você presenciou (o incidente provocado pelo recruta rebelde) não existe. Até hoje, na história do mundo, jamais foi registrado caso idêntico. Tal fato, não mais será repetido na história porque o soldado não é preparado para ter sentimentos. Ele é a nação, é a pátria que defende, e a pátria é que comanda seus atos. Sempre foi assim, e será sempre assim.
Em seguida, adiantou:
- Você deve estar com fome. Mandarei providenciar alguma coisa para comer. Não admito que meus prisioneiros sejam maltratados.
E retirou-se.
Na mesma hora, um ataque inesperado surgiu dos ares. Aviões carregados disparavam bombas mortíferas sobre a região, e todos corriam apavorados em busca de um esconderijo para se proteger. A lei da sobrevivência imperava entre a soldadesca que fugia, em revoada, das agressões aéreas. Samuel fora esquecido. Perto da cabana onde estava detido, aconteceu uma explosão, e alguns estilhaços penetraram seu corpo, causando-lhe fortes dores e perda de sangue. Escutou um ligeiro ruído e, de relance, notou alguém se arrastando, completamente ensanguentado, em sua direção. Com dificuldade, aproximou-se de Samuel e o libertou, dizendo num sussurro agonizante:
- Vá embora!... Você... está livre... Pode...
Desfaleceu. Samuel examinou o oficial e constatou que não mais respirava. Estava morto. Era o oficial que tanto lhe protelara a execução. Então abandonou o local, cambaleando por entre os destroços, enquanto falava e gesticulava alucinadamente para alguém invisível:

"Por favor, não jogue essa bomba, agora! O dia nasceu deslumbrante; os pássaros cantam felizes, crianças brincam felizes... Não jogue essa bomba! Amanhã haverá casamentos... Hoje tem espetáculo no circo... Há pouco nasceu um bebê tão gracioso!... E a disputa dos jogos olímpicos?... Vai ter disputa de natação, voleibol, handebol, judô, caratê, futebol... Você gosta de futebol?... Haverá concurso de miss, esta noite... As mulheres mais lindas desfilarão!... Depois vai haver concurso público... Tem muito desempregado esforçando-se para arranjar um emprego... Tem muita gente esperando receber o salário do mês para quitar suas obrigações... Se você jogar essa bomba, tudo irá pelos ares... Muita coisa será destruída: a escola será destruída, a capela será destruída, o edifício será destruído, o hospital será destruído... As crianças morrerão... O rapaz e a moça morrerão... O homem, a mulher... o velhinho, a velhinha morrerão... animais de estimação morrerão... outros animais também morrerão... Bomba não tem coração, não tem piedade. Por favor, não jogue essa bomba!... Talvez, algum dia, alguém resolva desativá-la, e ela não explodirá. E nunca mais haverá bombas na face da terra. A paz, então, reinará em todos os corações. Por favor,..."

Sua roupa estava ensopada de sangue. O som das máquinas destruidoras ecoava em torno dele. No meio do tiroteio, avançava sem reparar em que lado se posicionara. De repente, seu corpo converteu-se em alvo das armas de uma tropa que ele não soube distinguir se eram amigas ou inimigas. Voltou a si, antes de ser alvejado, enquanto proferia palavras ininteligíveis, e Sara preocupada, esfregava seu corpo, tentando acordá-lo.
- Agora perdi o sono, Sara. Que pesadelo medonho! Tudo parecia tão real! Eu pensava em você, pensava em meus pais... Como a guerra é tirana!
Contou-lhe o sonho com todos os detalhes.
- Quando o pior está para acontecer, a gente acorda ligeirinho, concluiu. É impressionante!
- Além disso, você foi refém de um bom carcereiro! brincou Sara.
- Vem cá!
- São duas da madrugada, querido. Precisa dormir para acordar cedo!
- Vem cá, meu amor! gemeu Samuel, sem lhe dar ouvidos.
Chamou-a para si num abraço íntimo, colou seu corpo ao de Sara, e os cobertores voaram pela segunda vez naquela noite.
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