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cronicas-->A VIDA COMEÇA NUM BURACO -- 15/01/2007 - 01:33 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

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A VIDA COMEÇA NUM BURACO



O menino estava na casa do avó materno, cuidado por uma tia. O avó e a avó estavam bem longe, esperou para tomar-lhes a bênção. Não chegavam nunca. A tia lhe falou que ele havia morrido.
O que era morrer?
Depois da brincadeira e correria no quintal, vai para o terreiro. Seus tios Joaquim e Otaviano estavam lá. A terra molhada da chuva de janeiro, em frente à casa do avó ausente.
Inquieto, procurava outras coisas para mexer, brincar. A tia o expulsara do interior da casa.
Que monte de barro é aquele?
Um buraco!
Ele prepara o pulo.
Um retàngulo, tal qual uma sepultura de criança.
O tempo se encarrega de deformar as lembranças. As formas, as cores, o brilho. Já tinhavisto o enterro de um anjo. Isto ele sabia como era.
Ainda sem noção de tempo e de idade - essa é a primeira impressão que ficou - não sabe expressar se estava nos seus três ou quatro anos, que é de quando a gente começa a gravar o mundo, o que passa em redor, a vida que se constrói, as impressões e depressões em redor. Tempo depois, um seminarista que vinha pedir ajuda pra poder coninuar estudando pra ser padre, conversava com seu pai e dizia assim:
"O cérebro grava tudo no inconsciente, um buraco fundo..."
Se é assim, sabe de tudo. Por que não lhe diz claramente em que tempo e estágio estava?
O que lhe vai à cabeça é pouco. Sentiu, doeu, chorou... Um pouquinho só, o grito mais alto, o que fica. Os sentimentos despertam.
O menino de hoje ainda procura descobrir.
Aquele buraco de sua meninice é marco importante, ficou. Sempre que põe os olhos para trás, ele o persegue. É como se alguém fosse advertindo:
- Olhe o buraco, Chiquinho!
Os dois rapazes, tio Joaquim e tio Otaviano, pegaram-no pelo sovaco, um de um lado, outro do outro, e o colocaram dentro, como se fossem extranhos.
- Agora, saia daí, seu danadinho!
Que danação teria feito para merecer?
Qual a profundidade, também não sabe. No verde dos seus três ou quatro anos, que noção teria de perigo? Ser enterrado vivo? Era do que tinha medo. Já ouvira histórias. Depois a perspectiva que tinha era de que o chão lá em cima ficava longe. Ao contrário de antes, passara a ver os objetos bem menores, menos deslumbrantes, as belas paisagens desapareceram de seus olhos, o tempo começara a ficar grande, não acabava. O buraco era menor que o seu medo. Medo de sufoco, falta de ar, de os tios fugirem como os moleques fugiam na brincadeira do esconde-esconde, medo de não puder sair. Fechou os olhos e abriu... Ninguém Eles tinham desaparecido.
Chorou.
Na verdade, os buracos da vida são assim: para emergir, precisa-se de ajuda. O homem é um animal muito fraco. Começa com o nascimento. Vem a parteira ajudar a mãe e o filho. Daí, até poder andar por suas próprias pernas, tem-se a pronta ajuda dos pais, irmãos mais velhos, primos, tios, vizinhos, e amigos a socorrerem.
Seus tios quiseram pó-lo à prova.
- «Este menino danado agora vai ver...»
Os teriam rido bem alto, como tivessem feito uma malcriação. E fizeram.
"Para aprender a ficar mais quieto. "
Será que havia feito algo errado para que o castigassem daquele jeito? Se era brincadeira, nunca vira coisa tão besta.
Chorou mais, esperneando...Gritava de fazer dó. Por mamãe, por vovó. Elas não o acudiam. Estariam distante?
Naquele tempo, contavam-se muitas histórias de tesouros encantados. Assim: Os ricos guardavam seu dinheiro debaixo do chão, para não serem roubados. Mas Deus castigava o pecado de sua avareza. Quando procuravam de novo, necas!... As patacas e patacões de ouro e prata haviam desaparecido. Só depois que morriam, suas almas penantes falavam a um bom cristão, através de sonhos, e pediam que fosse desenterrar o tesouro, assim e assim. Como devia ser: de noite, sozinho, rezando, sem maldade. Não senão daquela forma, o demónio viria atrapalhar, e o dinheiro transformar-se-ia em abelhas, formigas, ou nada.
Esse buraco de sua primeira infància, os tios, quem sabe, podem tê-lo feito de noite, de onde arrancaram um tesouro. Com medo, não o entupiram logo. Mas deixarem logo na frente do avó? É que aqueles buracos, segundo a tradição, não deveriam ser entupidos pela pessoa que desenterrava a fortuna. Nem por ninguém, que o tempo o fizesse.
Como estava bem de próximo à «latada» da casa do avó, quase no meio da estrada, talvez fosse vestígio do seu pecado, e o tesouro, o motivo de ter ficado pobre. Ele, então, acabava de ser salvo. Por respeito...
Não. Não teria sido de seu avó materno, nem da avó, que viveram e morreram pobres, e não tinham dinheiro nenhum para fazer isto. Embora seus pais (meus bisavós) tenham sido ricos, num passado disante. Tudo isto a mãe lhe contara. Antes ou depois?
Tudo o que alcança hoje é que os rapazes riam e ele chorava dentro do buraco, sem entender nada.
Por que ninguém lhe falou desse buraco, durante tantos anos de sua vida de criança?
Não lembra como nem quando o tiraram de lá. Só vê o buraco e o sufoco de como o levaram pra dentro, sem explicação, a roupa suada e cheia de areia. A tia encarregar-se-ia de banhá-lo e enfiar-lhe outra roupinha.
Representação original, enigmática do mundo do menino: um buraco! A vida começa num buraco e termina noutro - depois de tantos anos refletiria. Vive-se procurando entupi-lo. Buracos diminutos, extremos, externos, internos, dando sentido à luta, à passagem, ao gosto de viver.


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