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cronicas-->FRESAS Y CHOCOLATE -- 25/12/2006 - 16:43 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

RELÓGIO NÃO MARQUE AS HORAS, de Antonio Miranda. Esta é a 58ª. crónica da série*. São crónicas independentes não obstante formem uma sequência, na intenção de uma crónica de viagem contínua...)

58
FRESAS Y CHOCOLATE


Judith também andou por Cuba e pela República Dominicana, com os seus estudantes. Foram buscar semelhanças e diferenças. La caribenidad. Um exercício inútil e fútil. Bastava abrir a janela e respirar o ar. E abrir os olhos. Sobretudo os ouvidos de ouvir. E também o olfato, o tato e o paladar. Mas ela levantou barreiras ao longo de sua existência e sempre evita todo contato e contágio. Protege a pele e idealiza tudo antes de conhecer.

Em Cuba, refugiou-se na sinagoga. E escreveu um poema sobre a fome e sobre os pássaros, sobre "el periodo especial, the special time/ of want, of lack, of loss", com ressábios, tremores e ardores, com crianças e lembranças dos anos cinquenta.

Por San Juan de Puerto Rico, recentemente, andou Senel Paz, o cineasta de Morangos e Chocolate, que parece ser uma revolução dentro da revolução. Nem tanto nem tão pouco. Apenas o tema da liberdade de ser, numa era de direcionismos e condicionamentos. Escapou da censura e do patrulhamento ideológico mais conservador e transformou-se em sucesso absoluto. Quase em símbolo da contestação ao regime. Sinais dos novos tempos, que ele parece sinalizar e simbolizar. Senel viu a versão livre (adaptação para o teatro) de seu El Hombre Nuevo. Declarou ter achado estranho e alheio o texto, mas acabou gostando. Lamentou que David, o revolucionário, tenha sido minimizado a um segundo plano na peça porto-riquenha, e que o homossexual Diego tenha ocupado o cenário quase por inteiro. No filme é o contrário.

Há algo de caricatura e de estereótipo em tudo isso. Homossexualidade vista como maneirismo e exibicionismo, ou de forma deformada. Uma adaptação forçada às circuntàncias. "Estou assim, logo sou. Ou veja o que a vida fez de mim". El Hombre Nuevo insiste na fórmula do transformismo,do travesti, dublê de mulher como essência e existência. Como algo contraposto ao machismo. Como troca de papéis. Besteirol. Como se toda a homossexualidade coubesse no fã-clube da Carmen Miranda. No molde puritano, fala-se da exterioridade para escapar do tema da sexualidade interior ..

Senel deve ter percebido o exagero e o simplismo, sem desmerecer a qualidade do espetáculo nem a validade do caso. Entre outras formas de expressão da homossexualidade.

Uma saída escapista: "veja, eu sou assim, mas dou a minha contribuição à humanidade. Logo, julguem-me". O mesmo se pode dizer das mulheres, dos negros, dos índios, dos judeus, de todas as minorias. (Em tempo: mulher é minoria?!) Certamente, uma forma distorcida de análise de realidades conflitantes. Pelo sentimento de culpa. "Eu sou pecador, mas me redimo, me sublimo".

Quando perguntei sobre a prostituição e o càmbio negro em Cuba, Judith disse não ter entendido a pergunta. Para ela, o turista só viaja para ver relíquias históricas e para comer os pratos típicos. Ninguém fornica. Tentei convencê-la de que poucos vão ao Museu do Louvre. E que muitos preferem os prostíbulos do Recife. A AIDS viaja de avião, tem passaporte e visto consular.
Enrique acaba de chegar de Cuba e traz notícias desoladoras. As ruas estão repletas de gente vazia, como diria o Poeta. As paredes exalam suores e temores. Nuvens pesadas são presságios em movimento. Tetos desabam enquanto a escuridão levanta pesados rancores, protestos silentes, uma ansiedade expressa em frases ocas, dissonantes. A noite desvela uma angústia sem respostas. Uma escuridão prenha de presságios agourentos. A manhã começa caminhando. Ou na fila, esperando Godot. Raul Castro fez um discurso televisivo acusando o imperialismo norte-americano e foi considerado a melhor piada do ano. Só que o pessoal disse que já tinha ouvido antes. Mas achou graça, assim mesmo. Volta-se do trabalho, sem ter trabalhado. Caminhando ou pedalando. Nada nas despensas do Estado. Hoy no, mañana será. Estamos en un periodo especial.

No malecón as pessoas passeiam suas necessidades, buscando amenidades. Os turistas ostentam dólares. Ninguém usa mais a moeda nacional. Nem o governo. Antevéspera do nada.

As paredes falam mais do que as pessoas. Ainda não tem pichações porque não existe tinta. Nem precisa. Não se critica o regime pois todos se consideram responsáveis. Ninguém está arrependido. Apenas perplexos, ávidos.

As marcas nos muros são evidências maiores. Sobrados queixosos, com bocas famintas devorando seus ocupantes. De um tempo detido. Parado no ar. Um tempo de espera. Não se sabe do quê.

As ruas estão vazias de carros e cheias de transeuntes. Um povo em movimento. De um lado para outro. As fábricas paradas, um mercado negro que sai das sarjetas, sobe as escadas, invade as igrejas e chega até ao palácio governamental. Vale tudo, Mr. Dólar. Passe, entre, por favor. Estávamos esperando. Pelo mar, pelo ar. Por debaixo da porta.

Não há jornais, nem notícias.

Uma criança, adiando seus sonhos, diz que, quando crescer, gostaria de ser um estrangeiro.

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Próxima crónica da série: (59) VEINTE ANÕS NO ES NADA

Para ler toda a sequência inicie pela crónica (1) VÓO NOTURNO, na seção de crónicas de Antonio Miranda, na Usina de Letras.

Iremos publicando as crónicas que vão constituir uma espécie de romance,
paulatinamente. Semana a semana... o livro impresso já está esgotado...

Sobre a obra e o autor escreveu José Santiago Naud: "A agudeza do observador, riqueza do informe, sopro lírico e sentido apurado do humor armam-no com a matéria e o jeito essenciais do ofício. É capaz de apreender com ternura ou sarcasmo o giro dos acontecimentos e deslizes do humano. Tem estilo, bom senso e bom gosto, poder de síntese e análise assim transmitindo o que vê e o que sente, nos transportes do fato ao relato, para preencher com arte o vazio que um vulgar observador encontraria entre palavras e coisas".
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