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cronicas-->A morte do Indio Italiano -- 19/12/2006 - 17:20 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A morte do índio Italiano

O Mário, da banca de jornal, levou um susto quando soube que o índio morrera de repente. Ainda ontem ele estava na praça, passara pela manhã, a caminho da padaria, parecia estar bem, disse para mim o tricolor fanático. Mas a vida é assim mesmo e a morte também. Tudo acontece de repente, quando menos se espera. Se fosse de outro jeito não teria graça, aliás haveria muitos sustos diários, temores anuais, permanentes. O Paulo Radial já tinha partido a pouco tempo e o povo da praça estava alerta, preparado, na expectativa de momentos imprevistos. Os corações andavam em baticum acelerado, os diabéticos crónicos entraram em plantão permanente, ficaram todos alertas, renovaram os estoques de sivastatina, glimbenclamida e insulina. A bruxa andava solta e era bom se prevenir. Ele não era meu amigo mas fui ao velório do índio para conferir.
Porém eu não devia ter ido lá, jamais vi coisa mais triste. A torcida era pouca e "à favor". Pela primeira vez eu via uma torcida a favor do defunto. O salão estava deserto, poucos, pouquíssimos mesmo foram ao enterro. A torcida estava à distància e não havia aquela habitual turminha do amassa, uma que fica grudada no falecido, amassando, chorando lágrimas de esguicho, berrando ou rezando um interminável terço.
Cheguei mais perto do falecido e estranhei que ele se parecesse tanto com uma raiz de mandioca solta, sozinha no interior de uma caixa de feira. Alguma coisa estava errada, faltava algo. Os defuntos geralmente ficam bonitos, parecem bolos enfeitados, bem fixos no centro, emoldurados em um tipo de massa americana e filó macio, panos brancos apropriados, o nariz empinado, mas o meu amigo índio estava muito mal. Fiquei curioso, pesquisei e descobri o que se passava. O caixão era da reserva municipal, de terceira, faltavam flores em volta do falecido, faltava a habitual tristeza dos parentes, não havia velas nem castiçais dourados -essas coisas que dão vida ao velório. É o que sempre digo: Já vi gente chorar pela morte de alguém, mas nunca vi ninguém morrer junto, em solidariedade ao defunto...
A que horas sairia o enterro? "Três", foi o que me respondeu por gesto a viúva, apenas levantando os dedos com uma preguiça danada. Não disse palavra. Na outra mão ela segurava o celular e conversava com alguém à distància, talvez contando uma piada. Na sala enorme não havia mais do que oito pessoas. Decidi não ficar até o fim. Se os parentes não prestigiavam o índio, não seria eu quem iria fazê-lo. Antes das três horas o caixão já foi fechado, queriam livrar-se daquele peso o mais rápido possível. Se não me engano, parece que ouvi alguns fogos Caramuru estourando nas imediações do bairro do Belém. Quem carregou o caixão do índio para a cova, me contou que algo como uma raiz de mandioca fazia barulho lá dentro. Talvez fosse o movimento do corpo rijo, solto no interior da enorme caixa sem forração.
Tenho quase certeza de que a família do morto torceu muito para que aquela raiz, maniva da brava, não brotasse e viesse a produzir frutos iguais, semelhantes ao índio que partia. A cidade não merece, nem eu e muito menos o Mário da banca de jornal.

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