Seres singulares, os poetas, além da sensibilidade da alma, são dotados de mente premonitória, antevisam fatos, descrevem hoje o que virá acontecer no futuro. Não são pitonisas, advinhos. A capacidade de imaginar no momento um cenário onde se desenrola ficticiamente um acontecimento, que ocorrerá na realidade futura, vem do interior sensorial, pressentimento de que aquilo ocorre, é fato, e se não o é naquele instante, o será um dia, indefinido, remoto, mas real.
São muitos os exemplos de descrição poética, que sai da mente, da alma e do coração do poeta, em que o quadro pintado ressurge da realidade com todas as cores, personagens e situações vistas na "tela" do artista da poesia.
Tomás António Gonzaga, nas Cartas Chilenas, satiriza um governador da província de Vila Rica, que ele chamava de Fanfarrão Minésio e, para não ser identificado e reprimido pelo autoritário chefe da região, colocou na boca do personagem Critilo toda a descrição caricatural do Fanfarrão, usando o artifício das Cartas escritas e encaminhadas por Critilo.
O episódio e a história do fanfarrão repetiram-se seguidamente na história política brasileira, com o constante reaparecimento de fanfarrões, falastrões, boçais, corruptos, em tudo assemelhado ao governador descrito por Gonzaga.
Disserta Tomás Gonzaga, pela pena de Critilo:
Aqui vê-se o soberbo, que pensando
do resto dos mais homens nada serem
mais que humildes insetos, só de fúrias
nutre o vil coração, e a seus pés calca
a pobre humanidade. Aqui se encontra
o ímpio, o libertino, que ultrajando
tudo o que é sagrado, tem por timbre
ao público mostrar que o santo culto
que nos intima a religião somente
aos pequenos obriga, e que por arte
os conserva a ilusão no fanatismo,
por que da obediência à s leis se dobrem
aqui se acha o lascivo. É o vaidoso
é o estúpido, enfim, é o demente(...)
o que ao vivo aparece nessa empresa.
Já leste, Doroteu, a Dom Quixote?
Pois eis aqui, amigo, o seu retrato:
Mas diverso nos fins, que o doido Mancha
Forceja por vencer os maus gigantes
Que ao mundo são molestos, e este chefe
Forceja por suster no seu distrito
Aqueles que se mostram mais velhacos.
Não pune, doce amigo, como deve
Das sacrossantas leis a grave ofensa.
Antes, benigno, manda ao bom Matúsio
Que, do seu ouro próprio, se ressarça
Aos aflitos roubados toda a perda.
Já viste, Doroteu, igual desordem?
A nação ignorante se convence
De que este seu profeta conhecia
Os segredos do céu, por este meio.
Não há, meu Doroteu, não há um chefe
Bem que perverso seja, que não finja
Pela religião um justo zelo
E, quando não o faça por virtude,
Sempre, ao menos, o mostra por sistema (...)
".
Mutatis mutandis, a descrição de Gonzaga/Critilo cai como uma luva, ou melhor, como carapuça na cabeça do Fanfarrão Minésio que governa a nossa atual Vila Rica, a República Federativa do Brasil.
Cecília Meireles, no início dos anos 60, também mostrou esse lado sensorial dos poetas, ao descrever o desejo de um personagem de alienar-se do mundo terreno, aninhar-se no cosmo sideral, longe da triste realidade aqui da Terra.
Falou Cecília:
"Hoje eu queria andar lá em cima,
Nas nuvens,
Com as nuvens,
Pelas nuvens,
Para as nuvens".
Quem hoje, no Brasil, dá a nítida impressão de que anda nas nuvens, distanciado do mundo real, sem nada saber do que ocorre em torno dele? A resposta é fácil. É o presidente da República e seu nebuloso governo.
Mais premonitório, profundamente sensorial e incrivelmente objetivo foi o poeta Francisco Alvim, definindo, há alguns anos, num só e curtíssimo verso, o que viria a ser o lema do PT no governo, principalmente quando flagrado atolado na lama. Escreveu Alvim:
"Mas se todos fazem".
O poema é isso mesmo, é essa única frase, que substitui uma enciclopédia de palavras que desejem definir o estado de espírito dos petistas pós-mensalão, pós-dossiê, pós-lamaçal. Indagados por que fazem, respondem:
"Mas se todos fazem".
Ah! os poetas e suas maravilhosas palavras premonitórias.
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