Usina de Letras
Usina de Letras
19 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50673)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->PRIMÍCIAS -- 25/03/2000 - 17:48 (MARIA DA CONCEIÇÃO MATOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Boa velha.
Um pouco chata, às vezes, que "Deus a tenha".
Mesmo com toda impertinência, dona Ordélia conseguiu cativar muita gente. Eu fui uma de suas admiradoras. Embora mocinha, ( as más línguas proclamam que mocinha não gosta muito de velhos ) passei a sentir uma grande admiração por aquela mulher sisuda e com um ar permanente de quem nunca está de bem com a vida.
Aproximei-me da referida senhora numa Festa de Reis. Isso. Jamais poderia me esquecer a data: dia seis de janeiro. Mesmo porque, eu iniciava justo naquela noite, um namorico com um belo mancebo.
A festa era sempre muito bem comemorada na minha monótona cidade. Por alguns dias, Miramar sofria uma verdadeira metamorfose. À noite, quando o pessoal começava a se juntar na praça para as folias, a quermesse, a reza do padre Gualberto, os footings, era um rebuliço de deixar todo mundo com a cabeça transbordante. Quem passasse por lá nessa data, jamais diria o quanto era pacata aquela cidadezinha. Não havia um canto sequer, uma rua por menor que fosse, um cômodo de qualquer pequena casa, que não estivesse abarrotado de gente.
Dentre as inenarráveis lembranças daquela época, retive a imagem do garoto, cujo nome nem houve tempo de indagar Em meio áquela marafunda,( assim se referiam ) nossos olhos se cruzaram. Foi uma troca de olhares descompromissados, que estimularam sensações nervosas e provocaram emoções, levando à busca de um certo prazer sensual. Alguns flertes pouco duráveis. Aproximação sem muitas delongas. Pequeno espaço de tempo, os quais deixaram marcas no meu coração de adolescente. Pela primeira vez aflorou a minha sensualidade feminina. O jovem segurou a minha mão entre as suas, sussurrou algo muito doce aos meus ouvidos, porém, fomos bruscamente interrompidos por uma avalanche de pessoas, aos empurrões.
Na festa de Santos Reis era sempre assim. Não se continha a euforia do povo. Uma verdadeira massa humana que se arrastava ladeira acima, na tentativa de alcançar os bancos da igreja. Precisavam estar logo nas primeiras fileiras na hora do ofício religioso. Ninguém se conformava de ouvir de longe as pregações do padre Gualberto. Era o último dia e a sua bênção carecia ser recebida bem de perto. Naquele aglomerado de gente, o meu discreto admirador desaparecera. Numa tentativa desesperada de alcançá-lo, saí aos empurrões, tropeçando nos pés-de-moleque ( calçamento comum em cidade antiga ), colidindo com as pessoas, sem ao menos me preocupar com um pedido de desculpa. Foi num desses meus esbarrões tresloucados que me vi frente a frente com a dona Ordélia. Ela percebeu a minha aflição e me acolheu num abraço.
- Mas o que foi minha filha? Qual o motivo para tamanha angústia? Parece desfalecer. Vamos. Ampare-se em mim, respire fundo. Vou levá-la para um local mais tranquilo, onde conversaremos e você me põe a par do que lhe deixa tão aflita.
Aquela velha, considerada tão "chata" para a maioria das pessoas, tinha se mostrado tão solícita para comigo. Ela me pegou pelo braço e fomos nos desviando das pessoas, daqui e dali, até nos encontrarmos num lugar de menor fluxo.
Com passos mais cadentes alcançamos a praça.
A experiente senhora fez-me assentar-se num banco acomodando-se ao meu lado.
- Muito bem. Aqui estamos melhor, não é mesmo? Agora, conte-me o que tanto lhe aflige. Com a voz entrecortada por um irreprimível soluço, tentei explicar-lhe o motivo do meu desespero.
Assim como fizera o moço, dona Ordélia afagou-me as mãos, encostou a minha cabeça em seu ombro e beijou-me a testa.
- Sabe minha filha, você é muito jovem, bonita, atraente e tem uma vida inteira pela frente. Não se deixe levar por esses arrebatados momentos.Também fui jovem como você e sofri as agruras de um coração apaixonado. Ninguém melhor do que eu para lhe falar de perdas amorosas, de "fossa", de "dor-de-cotovelo", como chamam por aí. Alegra-me recordar os momentos de enlevo pelos quais passei: os encontros ansiosamente esperados, os furtivos abraços, os beijos chilreados, as melodiosas palavras sussurradas ao pé do ouvido. Desde que Deus fez o mundo, menina, é tudo igual. Cada pessoa que passa em nossa vida, é como um espelho - reflete um pouco de nós.
Como isto é bom! Já pensou como seria esquisito se ficássemos frente a um espelho e ele não refletisse a nossa imagem? E se o aroma das flores não se misturasse à brisa? Jamais teríamos uma atmosfera perfumada. O mundo seria inodoro e a vida de uma insipidez injustificável.
Enquanto ela falava, eu ia absorvendo as suas palavras de uma sapiência sem limite.
Pensava comigo mesma, como uma pessoa tão amarga, vista pela maioria com falta de apreço, ranzinza, guardava dentro de si tanto encantamento! As palavras fluíam da sua boca com a magia das águas cristalinas que brotam das fontes. A sua onisciência inebriou-me a alma. O bálsamo que exauria de seus lábios, pouco a pouco foi cicatrizando a ferida que já se acomodava no meu peito.
Uma brisa calma soprou no meu rosto, agora sereno.
No silêncio seguinte, pude refletir e sentir através de uma estrela que brilhava no firmamento, o quanto somos vulneráveis.
A "velha chata" aquietara-me.
Princípio genuíno:
- "A obra de Deus é sempre inspirada por Ele".
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui