Contudo, eu tomei todas em um só dia; falei tudo aquilo que não devia; sorri todo o sorriso do mundo e chorei o pranto inteiro da vida.
Depois saí claudicando no meio da rua com passos incertos, olhar duplicante; meus olhos não viam aquilo que eu via.
Em casa, lavei o meu rosto irritado comigo; dois eus no espelho zombavam de mim.
Aí eu gritei com pavor, assustado: Não, não sou eu! Isso aí não sou eu! E os monstros do espelho ecoavam: Não, não sou eu! Isso aí não sou eu!
Eu me procurava no espelho: meu Deus, cadê eu? Onde estou? E os monstros sorrindo, então me apontavam: Meu Deus, cadê eu? Onde estou? Faziam caretas meus olhos fitando.
Contudo, depois da ressaca, no dia seguinte limpei a sujeira, vesti roupa nova e saí; e assim me abracei, me beijei, me afaguei; e assim, de mãos dadas, comigo eu andei.
Contudo, as pessoas me olhavam de um modo esquisito; e eu, prazenteiro, chutava uma pedra no asfalto.
No ar, espalhei o meu beijo para todo o universo; e nem escutei as gaitadas do mar que zombava de mim.
Eu estava exultante na aurora. A tarde chegou e pegou-me a sorrir.
De noite, na cama, um corpo enlaçou-me e fizemos amor todo o resto da noite.
Saudei o inimigo na entrada da vila e o mesmo inimigo virou-se com espanto; contudo, eu fitei-o com jeito matreiro e ele sem jeito saudou-me também.
Por fim, defrontei-me comigo dizendo: tu és o maior, o melhor, és o máximo!
E os montes diziam felizes: te amo! Na voz compassada dos ventos que, levemente, sopravam meu corpo.
Depois, no espelho, alguém do outro lado me olhava sorrindo.
Monstros não via; eu não tive medo porque não existem... A gente os cria.
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