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Contos-->A Sala -- 10/10/2011 - 14:19 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

No revisteiro jaziam exemplares de antigas publicações: "O Cruzeiro", "O Amigo da Onça" e alguns do Pasquim, com Ziraldo desenhando a capa. Tempos duros e difíceis. Tempos de ferro, de diálogos escusos, vozes a meio tom, conversas ao pé de ouvido. Todos cochichavam ali, alguns aguardavam a consulta olimpicamente; outros olhavam tensos o relógio. Não havia ninguém ali que estivesse à vontade. Sabe como é, consultório de dentista, de proctologista e de psiquiatra, melhor ficar calado. Os medos mais obscuros vêm à tona e podemos nos surpreender falando de um canal antigo, de uma antiga dor que piora aos condimentos ou de nossa última depressão.

Eu, de minha parte, sabia que ali morava o perigo. Bem ao meu lado, uma loura de cair o queixo. Longos cabelos revoltos, um perfume que exalava de todo o seu corpo e um olhar que derretia até estátua de bronze. Vem a pergunta: O quê, raios, fazia mulher tão linda em tal obscuro refúgio? Procurei explicações em meu Pasquim.

Sig, o famoso ratinho de Jaguar diz, maravilhado com o belo sol que nasce na cidade maravilhosa: "Bom dia Céu, bom dia sol, bom dia mar, bom dia nuvens!" Ao que o Cristo Redentor, meio que murmurando diz: "Bom dia, Bicha!". Tenho de me segurar para não gargalhar, afinal, é um ambiente sério; que pensará o médico que faz as consultas lá dentro?

A linda moça ao meu lado, visivelmente querendo puxar assunto, percebe minha contenção e dá uma olhada de soslaio nos desenhos inesqueciveis. Entende o fio da meada e põe a mão na boca, vermelha de quase estourar em riso. Deve ser estranho porque do outro lado há uma gorda senhora que nos olha e nota que estamos quase a chorar de rir, mas disfarçamos. Ela com olhar inquisidor faz um sinal ao marido que olha a situação e coça a testa em gesto que nos provoca um comichão, até porque ele tem um rosto muito expressivo: Dois olhos grandes, duas sobrancelhas que parecem minhocas independentes de sua testa e um charuto que se ele puser na boca, só faltará a piada para ele imitar Groucho Marx.

--Eles eram bons, não? Era a loura.
--O Pasquim?
--Esses caras todos. Pasquim, Ziraldo, Jaguar. Na época deles, eram o must.
--Você não viveu essa época.
--Gostaria muito de.
--De quê?
--De ter vivido.

O rapaz que estava ao lado dela lhe deu um cutucão; certamente não estava gostando dos rumos de nossa conversa, mas ela, ao seu modo, furava o bloqueio da sala. Era ela, nós de um lado, ela ao meio, os outros do outro lado. Era digamos assim o ponto de referência, como no quadro de Michelângelo da Santa Ceia, só que em vez do Messias, a loura.

--Desculpe a intromissão, mas o que você, tão tranquila, veio fazer no consultório do Dr Wagner?
--Bom, meu marido(e ela com um gesto de desdém apontou com o queixo seu companheiro cutuquento) acha que eu sou muito acelerada. Decerto vai alegar que sou hiperativa!

Seu marido a olhou com um certo quê de assassino.

A senhora gorda ouvia com atenção nosso diálogo, como se próxima de pinçar o assunto que lhe fosse mais conveniente...Pequenas tossidas mostravam que havia alguém lá incomodado com o diálogo. E não era o marido da loura.

--Grande aqui, não?
--Dr Wagner tem nome!
--Nunca passei num.
--Médico?
--...Psiquiatra.
--Hoje em dia está na moda. Para tudo há um código: Se você é bravo e mal-humorado, é distímico; se é animado demais é Hipomaníaco. Se é lentificado, está deprimido. Nada mais obedece aos velhos e bons tempos desses caras aí.(apontou para o Pasquim)

A gordinha levantou as orelhas como um cão de caça; estava a ponto de falar algo quando se abriu a porta e a secretária anunciou, célere:

--Próximo paciente!
--Lá vai ela para o cadafalso. Seria muito incrível se ela já não saisse de lá com marcas nas têmporas...

Falando assim, a loura tinha um trejeito encantador, mexia com os cabelos de lado. Voltamos à estaca zero, o silêncio primordial. Todos calados, alguns ouvindo o som de suas narinas se abrindo e fechando...Só alguns arranhares de garganta .

--E você, por qual razão veio?
--Bom, ando tendo insônia. Não durmo nem depois do nascer do dia. Achei que fosse melhor.
--Mais nada?
--Tomara tivesse!!
--Ruim não?

O rapaz do lado dela lhe beliscava agora, qual dos dois passaria no Dr Wagner primeiro? Voltei ao Pasquim, eles dois agora discutiam impiedosamente(porém discretamente).

Foi nisso que notei que a secretária usava um colar com um medalhão estranho. Ela riscava coisas em um pequeno caderno que devia ser onde ela fazia as contas para se de seu mês atarefado. Um dia, quem sabe, um dia...

"Bom dia, Bicha" e eu quase dei uma risada.

Um certo vento desalinhava uma cortina bem cuidada; um perfume vinha dos vasos de madressilva. Um barulhinho de música de bolso tocava ali e foi quando descobri que havia um adolescente na sala, balançando a cabeça naquele ritmo doido que eles fazem para burlar qualquer cobrança a que venham ser submetidos. Aposto que entraria com o fone de ouvido: Hein?

Chamaram minha intrerlocutora predileta. Ela se levantou, arrumou os cabelos(como se necessário fosse) e passou pelo umbral da sala do médico, coberta de penumbra e objetos de arte...Apenas cumprimentou o médico secamente, fechou-se a porta que dava no consultório...

--"Vós que aqui adentrais..." Me veio à mente Dante e sua Beatriz tão procurada; me veio à mente "Bom dia Bicha" e a comichão se tornou irresistível. Retomei meu jornal, a dona gorda agora trocava cochichos com o marido ao seu lado, as bochechas rosadas.
--Senhor Alfredo!
Despertei do sonho cômico.
--O senhor é o próximo. Tem cartão de crédito?
--Tenho.

Santo Capitalismo!

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