Usina de Letras
Usina de Letras
277 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62175 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50580)

Humor (20028)

Infantil (5424)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A Brasa -- 23/09/2011 - 19:12 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ah , doce solidão em que vivia Sr Macleod; desde que ficara sem sua esposa (que morrera anos atrás) ele vivia em sua casa, recluso . Sozinho, tivera um cão até há pouco tempo e que mesmo ele se cansara de acompanhá-lo em sua doce tristeza. O lindo Setter se fora numa noite fria, iluminado ao luar no jardim e no frio (Macleod o achara perto das achas de lenha que ele mesmo cortava ainda num bosque perto de sua casa). Ele o enterrara com pompa e circunstância porque Rilke (assim o chamava) tinha uma presença marcante na sua vida ou pelo menos naquele terço final dela. Boas lembranças, ruminava o velho, boas lembranças. Recordava os tempos luminosos em que Rilke corria pelos campos, na neve, brincando com os flocos que caiam;lembrava-se dos gravetos que ele apanhava assim, no ar, quando era instigado a correr pelo seu dono. Na verdade, seus pelos vermelhos o fizeram sorrir mais de uma vez no inverno prolongado das montanhas, quando ambos saiam para explorar os arredores.

Não havia toca que ele não cheirasse, não havia troncos em que não estivesse sua presença. Não havia coelho que não houvesse perseguido. Com sua boa índole, jamais molestava os pequenos animais, permitia-se no máximo agarrar o coitadinho para soltá-lo depois de exibir seu prêmio ao Senhor Macleod. Orgulhoso, obedecia o dono e soltava a presa que fugia espavorida, sem entender a segunda chance que lhe dava a divindade.

Boas lembranças, recordava-se Macleod. Boas lembranças! Ouvia o estalido da lenha na lareira. Os pés doloridos da caminhada solitária agradeciam o repouso.Nome lendário no povoado abaixo, o Senhor da Colina que é como lhe chamavam vinha poucas vezes à cidade; na maior parte das vezes, comprava tabaco, uísque, carvão, lenha seca para atiçar suas achas de madeira da floresta, fósforos. Havia uma senhora que o conhecia da juventude, já fora apaixonada por ele e inclusive, depois que sua esposa falecera, pedira a ele que viesse morar com ela. Não, ele se recusava a sair de sua casa, ventosa casa. Nos dias de mudança de estação, o vento se aninhava nos cantos e enchia de silvos as janelas, os corredores. Ele então colocava na velha vitrola a Nona de Beethoven. Então, seus olhos brilhavam ao degustar cada corda, cada harpejo, cada voz separada, cada som...E pensava em sua amada, que se fora. E pensava em Rilke correndo nos campos. Pensava em cada pedra que havia ali, cada quarto e em Jones, seu criado que morava por perto(ele mesmo comprara o pequeno terreno onde construira sua casinha).

O vento batia na janela da pequena loja; lá fora os murmúrios de uma tempestade de neve se agitavam. Tilintou o sino da porta; era o Velho, como alguns o chamavam.

--Senhor Macleod.
--Senhor O`Reilly...
--Que vai levar dessa vez?
--Deixe-me ver. Fósforos. Hummm, sal. Tem temperos para carne?
--Sim, senhor Macleod. Vai dar uma festa? Ah, já sei, finalmente convidará Maria a morar com o senhor. Por quê não? Vive tão só, Macleod.
--Ah, O`Reilly. Meu tempo passou. Pretendo somente assar uma carne que guardei.

O`Reilly não insistiu, afinal respeitava o velho amigo. Vez em quando mandava alguém inspecionar a casa, para que vissem como ele estava. Quando Rilke vivia, ele alertava o dono para os visitantes; no entanto agora, na maior parte das vezes, ele mesmo os achava. Ralhava com eles mas, como sabia que O`Reilly queria apenas saber como passava, relevava.

--Vou acabar convidando um de seus inspetores para comer comigo. Aliás, você bem que poderia vir à minha casa. Afinal, de vez em quando preciso de companhia.
--Você que deveria vir mais vezes à cidade, Macleod. Não é porque ela se foi que você deve sumir assim. A vida continua!

Boas recordações, Macleod. Amigos fidelissimos. Uma casa ampla. Viver assim, no fim da vida, deveria ser a opção de todos que pudessem; conhecia mais de uma história de velhos abandonados em asilos crepusculares. Mais de um de seus amigos se esquecera de si mesmo em um desses repositórios. Ele, não: Lutara a vida toda para ser independente, e não seria diferente, até o fim. Tinha dinheiro que guardara bem, sua adorada esposa fora previdente, de tal forma que tinha o suficiente para se manter bem, ter uma vida digna.

--Maria está em casa?
--maria sempre esteve em casa. Ela cozinha para seus hóspedes. Vá até lá, Macleod. beba uma por mim, erga um brinde por nossa amizade e vá até lá. Certamente que ela vai gostar.

Com um saco preso à mão, caminhou pelas ruas de pedra, batidas pelos ventos; aqui e ali voava um ramo de uma árvore decídua. Pássaros tentavam sobreviver em meio às rajadas crescentes. Uma janela batia num casarão onde chorava uma criança(Macleod não tinha filhos por opção dos dois). Parou em frente à casa de Maria, um belo casarão que ela herdara de sua avó materna e que agora transformara em pensão; ela mesma fazia as honras da casa, ela mesma fazia os pratos, famosos em toda a região. Vinha gente de longe para conmer os quitutes, os almoços de Maria. Ela costumava dizer, "se eu comer e gostar, os outros certamente gostarão". Assim sua pensão ia de vento em popa, com quartos bem cuidados, lençóis perfumados e janelas que davam para uma praça cheia de árvores que na primavera se enchiam de flores amarelas e roxas.

Quando tocou a campainha, Macleod já imaginou Maria abrindo a porta, como ela sempre fazia, esperando que ele chegasse definitivamente em sua vida...

Não foi diferente naquele dia, quando o sorriso dela, radiante, apagou as últimas sombras do velho da colina.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui