A P O E S I A D O M O M E N T O Q U E P A S S A
Sergio Del Picchia 1995
A CONCEPÇÃO
Cada momento tem sua poesia;
todo instante tem sua magia...
Sejam segundos de paz
ou minutos de alegria;
aquelas horas de paixão,
os longos dias de tristeza
ou semanas de sofrimento;
todos são simples momentos.
Todos tem sua magia,
todos tem sua poesia.
E num devaneio poético
meus sentimentos me dizem:
não é o poeta que a faz...
O surpreende repentino
o encanto de um poema;
o mistério de palavras
que isoladas pouco dizem
mas num toque de magia
de repente se combinam.
Ele sente essa energia
e em forma de poesia
ele a traz para os demais.
Assim como as linhas suaves
e os doces contornos redondos
já existiam dentro da pedra
antes do artista a moldar,
os tocantes versos e estrofes
já existiam no ar
a espera de um poeta,
a espera de uma alma sensível,
vibrando na mesma frequência,
captando essa energia dispersa
e a transformando em palavras;
transmitindo toda emoção
que o encanto do instante findo
acabara de compor.
Da mesma forma, acredito,
a melodia sinuosa,
aqueles toques geniais,
que imortalizaram o compositor,
foi ele quem primeiro a ouviu.
Cordas virtuais
vibrando em outra dimensão
produziram aquele som.
E o artista em sua incursão
por este outro universo,
num momento de inspiração,
escutou aquela mensagem
e a trouxe para nós.
E quando a magia do instante,
o encanto deste momento
se dissolve, leve, se esvai,
fluida se perde no tempo,
a transcende e permanece
o retrato vivo, pulsante,
da emoção que a acompanha:
o testemunho do poeta,
nas estrofes de seu poema.
E o mais simples dos momentos,
traz consigo uma poesia.
Um encanto indefinido
a espera de um artista,
a espera de um poeta.
O mais simples dos momentos
é um momento de magia.
É o milagre de cada dia,
sintetizado em cada instante.
O cotidiano milagre
de morrer cada noite
e renascer todo dia.
De chegar tão poucas vezes
e partir continuamente.
De conseguir sobreviver
num ambiente tão hostil,
vendo aquele rosto amigo
se tornar indiferente.
E procurar um novo sorriso,
quando aquele conhecido
se apagou tão de repente.
A poesia do momento que passa,
pode ser uma triste poesia.
Pode retratar a angústia,
o sofrimento e a dor.
Mas pode também ser alegre
e cantar o riso, o sorriso,
a alma leve que flutua
e a inconsistência que atrai.
Ou mesmo pode ser apática,
indiferente, indefinida,
com o humor daqueles dias
que como vieram se irão
e nunca serão lembrados.
Dias sem brilho, apagados.
Velhas fotos sem foco
de imagens sem expressão.
Pode ser a poesia triste
do amor sem resposta
e da dor da solidão.
Mas também a alegre poesia,
a benvinda esperança
dos olhos que se penetram
e das almas em sincronia.
Mas sempre será poesia.
Imagem no campo etéreo
da realidade conhecida,
sem os limites que sufocam
e compromissos que amarram.
E a beleza desta poesia,
muitas vezes nascida
da tristeza e da dor,
se desprende impetuosa
dos motivos que a geraram.
Como a alva flor de lótus
que se ergue livre e pura
da escura e fétida lama,
a poesia do instante de dor,
do triste momento que passa,
pode trazer a alegria
transformando, milagrosa,
lágrimas em doces sorrisos.
E embalar a alma triste
do amante abandonado
com bucólicas lembranças.
E conduzir com enlevo
a este outro universo:
ao virtual e encantado
mundo da sensibilidade,
onde de pouco valem
essas coisas da matéria,
e se vivem de forma etérea
os sentimentos e sonhos.
E lá a magia do instante
se eterniza em sua poesia,
pois nesse mágico mundo
o fugaz momento não passa.
O delicado véu branco
que encobre com encanto
o frágil recém nascido,
é o mesmo véu lascivo
que esconde com malícia
a fêmea desejada;
o mesmo véu enfeita a amada,
a noiva inocente e pura,
a mulher prometida;
e o véu é a mortalha
que cobre o corpo frio
em sua última morada.
Da mesma forma a poesia,
maliciosa ou inocente,
delicada ou agressiva,
que amplifica expansiva
os momentos de alegria
e envolve docemente
os instantes de ternura,
com a fúria do mar revolto
joga o peso de suas vagas
em frases contundentes,
quando a emoção contida,
de repente, explode.
A força de uma paixão
se revela inconfundível
na emoção de um poema;
mas ele se torna melancólico
quando, desfeito o sonho,
a esperança por instantes morre;
o poeta calado sofre
e sua poesia por ele chora.
Mas qual um barco no oceano
que reaparece entre as ondas,
repentino o sonho continua,
pois as marcas do passado sempre voltam.
O poeta novamente
se embrenha nos atalhos da ilusão;
nostalgia e esperança se alternam
e seu poema se transforma...
A INSPIRAÇÃO
E aqueles poemas não escritos?
Aqueles sentimentos difusos?
Embriões que não vingaram,
se perderam, frágeis esboços;
vibrações viajando no espaço.
Doces momentos de amor,
eternos instantes de paz.
A delicada folha que cai,
oscilante no calmo ar da manhã,
ou a árvore encurvada,
sob o feroz vendaval.
O olhar perdido no horizonte,
olhando tão longe e tão perto,
olhar que olha e não vê,
ou os olhos que fuzilam,
penetram, ferem, maltratam.
Tantos momentos, tantos poemas,
tantas vibrações perdidas.
Qual almas desencarnadas
a procura de um corpo,
tantas poesias não escritas
vagando a espera de um poeta.
E são tantas as emoções,
tantos momentos que ficaram,
tantas vibrações dançando
neste balé aleatório,
que imagino elas se tocam,
e neste poético encontro ,
essas emoções se somam,
se anulam, se completam...
Imagino a emoção alegre
dos braços abertos
e do sorriso amigo,
se encontrando no espaço
com a poesia triste
dos olhos que se desviam
e dos rostos vistos de lado.
Imagino o doce milagre
desses rostos indiferentes
de repente se voltando,
todos com um sorriso
e os olhos na linguagem
que só os olhos entendem,
dizendo em silêncio
o que as palavras não dizem.
Imagino noutra vibração,
a leve e alegre poesia
gerada da emoção coletiva,
a emoção de tantas almas,
na noite, na festa, na praia,
de repente se encontrando
com o sensível pranto
dos olhos que não se encontram
na escuridão da vida.
Pequenos sentimentos,
pequenas emoções,
pequenas poesias,
pequenas vibrações,
que se somam, se multiplicam,
e ficam pairando por aí...
Até que um dia,
entram em sintonia com alguém.
É quando de repente,
sem que se saiba por que,
uma estranha emoção nos toca.
E as palavras brotam
e se espalham pelo papel,
e a poesia surge solta,
pura, tocante, pronta.
A IMAGEM
O momento que se vive
vale mesmo pelo que fica.
Tão frágil é a paz no presente,
tão passageira a felicidade...
E não dá para parar o tempo,
ele sempre se vai...
Fica somente a emoção,
o sentimento, a saudade,
e a poesia do momento.
E em prosa ou em verso,
em música ou em canção,
pintada ou esculpida,
escrita ou não,
a poesia permanece.
O encontro de almas irmãs
no final de uma vida vazia
é motivo de imenso prazer
e sublime é sua poesia.
O rosto que se vira
e o sorriso que se apaga
depois de tanta esperança
é razão de intensa tristeza.
A alegria contagiante
do filho que um dia chega
infelizmente dura pouco;
um dia ele se vai.
E os anos de convívio,
se olhando para traz
não passam de um momento.
A dor do amigo que parte,
da vida acabada tão jovem,
nos acompanha para sempre;
mas foi um instante somente.
E por mais bonito ou mais triste,
que seja o instante vivido;
por maior que seja a alegria
ou mesmo a mágoa sofrida,
que nunca se veja nele
mais do que um simples momento.
A maior das felicidades
não passa de uma ilusão,
e o instante triste sempre se esquece;
mais cedo ou mais tarde ele se apaga.
Fica porém sua poesia;
a emoção que a acompanha,
eterna permanece.
Fica a beleza do momento,
e sua mágica poesia,
a poesia do momento que passa...
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