S O N A T A
Sergio Del Picchia 1998
1. A d a g i o
Mãos que flutuam...
Esvoaçam sobre teclas,
nem as tocam,
deslizam...
Sons que nem soam,
murmuram...
Não dizem,
sugerem...
Sons que nem parece
terem saído da matéria,
como se já tivessem
nascido sons,
eternos...
Cordas que vibram,
excitadas...
Melancólicos gemidos,
me alcançam,
me tocam...
Fazem eco,
nas cordas de meus sentidos.
Em ressonância,
me elevo...
Flutuo sobre mim,
esvoaço sobre as teclas,
deslizo...
Não sou mais matéria.
Sou som e vibro.
O tempo para.
Por alguns segundos,
sou eterno...
2. A l l e g r o
Mãos que passeiam...
Alegres,
com a graça de quem vive...
Sons que brotam, correm
como a água da fonte;
pulsam, respiram
como quem tem vida...
As notas brincam, dançam;
eu brinco com elas.
Evocam luz, calor, mãos dadas,
verdes campos, amor...
O coração fica pequeno,
a alegria extravasa...
Uma súbita euforia me assalta;
O prazer de existir,
uma alegria infantil,
viver por viver,
de graça...
Passeio na melodia,
vibro na frequência das notas,
todo o resto se apaga.
Neste momento, simplesmente,
sou vida...
3. P r e s t o
Mãos que súbito mergulham...
Impiedosas,
rasgam, ferem, penetram,
as alvas teclas do piano.
Arrancam gemidos,
laivos de dor, gritos de prazer
de quem sofre, de quem goza,
de quem ama, de quem morre.
O artista sofre, se auto-flagela.
É ao mesmo tempo
vítima e algoz...
É paixão, é dor, é mágoa.
As cordas gemem,
o coração dispara...
A emoção do artista
incorpora a do autor
se encontra com a minha,
e explode!
Qual relâmpago na tempestade
a paixão se descarrega
e me alcança;
remexe minhas feridas,
revolve minha emoção contida,
arde...
A chama se alastra;
me toma...
A dor e o prazer me invadem
e nesse êxtase , repentino,
sou um raio.
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