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Contos-->O ARAUTO -- 17/08/2011 - 19:30 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O ARAUTO 

 

R

icardo, depois de frequentar com aproveitamento o “Curso de Jornalismo e Comunicação”, tentou sem sucesso arranjar um emprego, fez alguns estágios não remunerados em órgãos de informação e entregou dezenas de currículos. Órfão de pai e mãe, vivia apenas de salários irregulares obtidos em ocupações muito diferentes da profissão com que sonhara. Mal lhe davam para a sua subsistência. Tinha herdado dos pais uns dinheiritos, que mantivera no banco para qualquer emergência.

            Quando ouviu falar na “Revolução do Jasmim” tunisina e na possibilidade do seu alastramento a outros países árabes, uma ideia começou a germinar-lhe no cérebro. Lembrou-se do que o pai lhe contara acerca do 25 de Abril em Portugal e sentiu-se empolgado. Enviou um e-mail ao chefe de redacção de uma revista de actualidades, oferecendo-se como freelancer para fazer reportagens, escritas e fotográficas, das revoluções emergentes no Norte de África e pondo apenas duas condições: os trabalhos só seriam pagos quando do seu regresso, de acordo com o valor que a revista julgasse merecido e justo, e seriam assinados com o pseudónimo “Arauto”. A resposta de aceitação não tardou e, no dia seguinte, depois de levantar e cambiar dinheiro, apresentou-se no aeroporto para embarcar com destino a Tunis. Levava simplesmente uma mochila com algumas roupas e objectos pessoais, o seu computador portátil e uma máquina fotográfica. Confirmou laconicamente à revista que «o “Arauto” ia a caminho e daria notícias».

 

T

inha projectado, poucas semanas antes,  fazer diversas reportagens sobre turismo em vários países árabes, chegando mesmo a obter os vistos para alguns deles. Os acasos do destino tinham feito apenas modificar o objectivo da sua viagem. As manifestações na Tunísia sucediam-se desde Dezembro de 2010, com algumas escaramuças entre a polícia e os civis e a aparente passividade dos militares.

            Logo que chegou à cidade, dirigiu-se para a Praça de Tunis e misturou-se com os manifestantes. À falta de uma identificação oficial, pendurara ao pescoço um plástico com o passaporte e uma pequena bandeira portuguesa em papel. Falou com algumas pessoas, conheceu muitas das razões do seu descontentamento, como o excessivo aumento do preço dos alimentos, a corrupção reinante e o desemprego, e fotografou belos instantâneos que plasmaram para sempre alguns momentos irrepetíveis. Todas as noites, do pequeno hotel onde se alojara, enviava os seus trabalhos para a revista. Endereçaram-lhe um e-mail incentivando-o a continuar e informando que as suas reportagens estavam a ter muito sucesso, sendo mesmo publicadas no site da revista. Seria recompensado de acordo com o que era pago aos melhores repórteres.

            Em meados de Janeiro, Ben Ali, o presidente da Tunísia, que ocupava o lugar desde 1987, fugiu para a Arábia Saudita. Perante notícias de que as manifestações tinham alastrado ao Egipto, Ricardo achou que a sua missão estava terminada. Deixava a política para os analistas, críticos e outros jornalistas especializados, e ia partir para novos “campos de batalha”. Avisou a revista de que «voltariam a ter notícias suas logo que chegasse ao Cairo».

 

A

célebre Praça Tahrir estava há muitos dias repleta de uma multidão contestatária. As redes sociais, nomeadamente o Facebook, tinham sido fundamentais para a mobilização. Contrariamente ao que acontecera na Tunísia, a repressão no Cairo foi violenta, contando-se dezenas de mortos e centenas de feridos. O Povo, porém, não desarmou e continuou a exigir a mudança do regime. Vários jornalistas foram detidos. Ricardo arriscou-se, mas valeu a pena pois obteve fotografias extraordinárias, conseguindo também entrevistar alguns manifestantes.

Mubarak, há 30 anos no poder, começou por recusar qualquer exigência para depois se mostrar receptivo a algumas cedências. Finalmente desapareceu, chegando a dizer-se que abandonara o país. Afinal estava na célebre estância turística Sharm el Sheikh. Acabou por se demitir em 11 de Fevereiro. Mais uma vez o futuro ficava na mão dos políticos.

Entretanto, o descontentamento e as manifestações tinham alastrado à Líbia. Kadhafi, à frente do país desde 1969, mostrava-se irredutível e os seus aviões metralharam os “rebeldes”. A comunidade internacional, mormente com barcos americanos e aviões franceses, começou a atacar alvos governamentais e a evitar o uso da aviação pelo líder líbio que tentava recuperar cidades ocupadas pelos revolucionários. Na última reportagem enviada do Egipto, o “Arauto” anunciou a sua partida eminente para a Líbia. Finalmente «ia ser um verdadeiro correspondente de guerra pelos menos por um dia».    

 

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icardo conseguiu adquirir uma velha viatura todo-o-terreno, atestou-a e levou igualmente dois bidões com combustível. Possuía uma credencial que lhe tinha sido cedida por um colega de uma cadeia de televisão norte-americana. Abasteceu-se de víveres e água e rumou a Benghazy. Eram mais de 1000 km. Tentaria descansar um pouco antes de entrar na Líbia.

            Logo que chegou, inteirou-se da situação. Benghazy continuava em poder dos rebeldes. Os aviões de Kadhafi estavam imobilizados ou destruídos pela aviação francesa. Barcos de guerra americanos também neutralizavam outros alvos com mísseis. As forças governamentais tinham sido travadas no seu avanço para recuperar Benghazy. Entre elas e os rebeldes havia uma terra de ninguém, pejada de viaturas e carros de combate completamente destruídos.

            Enviou as primeiras fotografias e uma reportagem. Na manhã seguinte tentaria ir ao encontro das forças de Kadhafi. O seu maior sonho era conseguir chegar a Tripoli e entrevistar o “Coronel” para conhecer também o outro lado da guerra.

            Percorrera apenas três quilómetros, quando ouviu um ruído que tanto poderia ser de um avião como de um míssil. Não teve tempo para ver. Um tremendo estrondo e o carro incendiou-se voando em estilhaços. Nunca se saberá quem o atingiu. O seu “dia de glória” não tinha passado de uma quimera. Em Portugal tão-pouco se soube quem era o “Arauto”, mas as suas reportagens e fotografias perduraram nas memórias de quem o leu.   

 

 

NB - 3º Prémio nos 41ºs Jogos Florais Internacionais de Nossa Senhora do Carmo – 2011 (Fuseta)

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