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Contos-->Liberdade para amar -- 02/08/2011 - 14:49 (Alfredo Domingos Faria da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Liberdade para amar

A botica do Aperibêncio, após o horário de funcionamento, virava um ponto de encontro de clientes e amigos. Ali rolava solto um papo legal. Discutíamos basicamente futebol e política. A concorrência era direta aos bares da pequena Guapi, ao menos por um período.
Eu era costumeiro. Passava por lá todo final de tarde. Na encolha, eram servidos bolinhos de aipim e aguardente. Havia uma bancada de canto estrategicamente instalada para apoio. Cada um deixava no caixa o que bem quisesse. O negócio do estabelecimento era medicamentos.
Aperibêncio (é melhor passar a chamá-lo de Peri, será mais fácil) e eu éramos solteiros, apesar de estarmos na casa dos quarenta. Fazíamos muitas confidências. Ele me colocou, orgulhoso, que só gostava de moça virgem. Como isso era raro na cidade, de quando em vez, viajava para pescar alguma em outras plagas.
A partir do momento que comecei a namorar a Vanja, ela me acompanhava até a botica.
Um dia, após ele me trazer uma batida esquisita elaborada lá dentro, desmaiei. Depois, foi contado que Vanja e o farmacêutico providenciaram a minha remoção para casa. Os dois tinham ficado amigos também. Nada mais justo do que cuidarem juntos de mim.
Vanja era uma morena dessas imperdíveis. Os homens da cidade, desimpedidos ou não, davam em cima dela.
Apesar de eu fazer um tipo bem comum e com nenhuma grana para luxar, ela entrou na minha, como se diz. Sorte deste que escreve.
Passamos a namorar compulsivamente, sempre que surgia oportunidade, mesmo morando em casas separadas. Dávamos o nosso jeito, o que apimentava o relacionamento.
Eu tinha ciúmes. Pudera, o seu trabalho era a venda de roupas íntimas femininas, andando na rua até escurecer, de porta em porta. Incomodava-me a falta de endereço fixo, de uma referência para a lida. Indo bater aonde só Deus sabia.
Voltando ao desmaio, acordei na minha cama, tendo na cabeceira um bilhete de Vanja: “Cuidamos muito bem de você. Acho que a causa do ocorrido foi o pileque. Amanhã, procure o médico ou o próprio Aperibêncio (aqui tem que ser o nome completo, trata-se do original do bilhete). Quem sabe na farmácia tem remédio para você?”
Sempre gostei de bilhete. Comunico-me bem por esse meio. Na escola, fui bom aluno de português. Para todas as namoradas usei e abusei do bilhete. Era uma boa forma de galantear. Mas esse em especial me deixou intrigado. Observei que o “cuidamos muito bem” estava sublinhado. Estranho. Confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha.
Com o tempo passando, as reuniões a três na botica ficaram constantes. Os outros participantes foram rareando.
Peri, então, veio com a invenção de que ganhara um carro velho do tio, e necessitava da minha ajuda para desenguiçá-lo. A batalha iniciaria tendo que ir ao sítio onde o veículo estava guardado há anos. Nunca tive o menor jeito para mecânico, mas topei.
Aliás, é o momento certo para falar das minhas atividades profissionais e pendores. Nunca tive aptidão para os trabalhos manuais. Sempre fugi das coisas tecnológicas e complicadas. E para completar, da matemática queria distância.
Porém, sempre me agradou a escrita. Quando estudante, fazia uns primores de redação. Criava personagens e situações que eram verdadeiras maravilhas.
Bom, assim, trabalhei no Cartório da cidade, no Jornal, na administração da Academia de ginástica e no escritório do Supermercado Joelma. Neste último, até me dei bem, dando uma de fiscal, pegando roubos e prejuízos provocados pelos clientes e funcionários. Elaborava relatórios diários, apresentando os acontecimentos indesejáveis. O dono da loja, ao mesmo tempo em que passou a confiar bastante em mim, cobrava cada vez mais a minha dedicação, sem descanso, o que me saturou, fazendo com que pedisse demissão. Vou revelar que o salário deixava a desejar pelo que eu precisava me doar.
Passei a ter o meu próprio negócio. Abri o primeiro sebo da cidade. Sabe que estava todo orgulhoso?! Adorava o que fazia. O meu mundo era aquele. Não sobrava dinheiro, apenas pagava as contas, e ia curtindo.
Certamente, Peri sabia da minha incapacidade para a missão que me atribuiu, aquela de ressuscitar o carro, mas insistiu na companhia.
Há um detalhe a ressaltar. Indaguei se Vanja poderia ir conosco. Ele negou, alegando não ser faina para mulher.
A propriedade ficava metida no cafundó do Judas, longe da cidade, num lugarejo quase inexistente. Com muita subida para enfrentar.
A casa principal estava em ruínas. O terreno prolongava-se para abaixo, bastante acidentado. Em condições de uso, somente um pequeno apartamento com sala, quarto e banheiro. Local mal provido de móveis e equipamentos. O mínimo do mínimo. O melhorzinho de tudo era uma cama de casal, arrumada com lençol, travesseiros e colcha.
Não percebi sinal do tal tio. Algo me dizia que ele não usufruía dali, muito menos da cama. A impressão era que outras pessoas tiravam proveito.
Porém, o carro estava lá. Era um Pontiac verde-claro, duas portas, e mais velho que a Sé de Braga. A pintura era completamente desbotada. Como estava debaixo de uma amendoeira, tinha quase toda a lataria atingida pelos frutos. Um desastre.
Peri tinha pressa. Estava impaciente.
Duvidei de que “aquilo” pudesse se movimentar. Uma coisa foi notada por mim. Os pneus estavam novos. A intenção clara era que a lata velha corresse mundo e rapidamente.
Fizemos de tudo para o motor funcionar. Quer dizer, fizemos não, Peri fez. Foram postas bateria nova e gasolina. Não houve, no entanto, solução. Operação custosa aquela!
Peri resolveu fazer a locomoção empurrando. Na base da força. Intriguei-me, pois carro automático não vira de empurrão, mas como ele é que estava no comando, paciência...
Coube a mim sentar ao volante, e a ele esfalfar-se a deslocar a geringonça. Pensei bem, e resolvi que ficasse para ele a missão penosa. Assenti.
Pois bem ou pois mal, com a força empregada começou o deslocamento pelo gramado inclinado, e um certo embalo foi obtido.
A minha alegria por achar que a empreitada estava por terminar durou pouco.
Percebi, tomado de pânico, que o terreno acabara no fim da descida. O carro estava solto no ar pronto para se espatifar. Terra firme só via lá embaixo, no vale entre os morros. A minha visão escureceu. A cabeça foi tomada por tontura. Estava perdendo a consciência.
Tempo só tive para observar, muito fugazmente, a cena de paixão entre Peri e Vanja, comemorando aos beijos a liberdade para amar, e, claro, o meu fim. A minha última lucidez foi por conta da lembrança de que Aperibêncio, sujeito safado, apenas gostava de moça virgem.

Alfredo Domingos Faria da Costa

 

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