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Contos-->O Perdão -- 21/07/2011 - 10:07 (josé paulo pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Perdão

O Perdão era muito popular. Todos o conheciam e apreciavam sua educação, seu jeito carinhoso no trato com as pessoas, seu modo de se vestir, enfim, o ser humano chamado Perdão.
Fácil entender a origem do apelido: ele sempre colocava a palavra “perdão” no início de qualquer abordagem.
- Perdão, pode me dizer as horas?; - Perdão, pode me vender o jornal?; - Perdão, pode me trazer o cardápio?...
Muitos sequer sabiam o seu nome verdadeiro, o que não fazia falta alguma, pois o personagem, Perdão, era mais forte que qualquer nome ou parentesco.
Um jornalista, mais curioso, achou interessante aquele personagem e quis saber a origem do apelido, pretendendo mesmo fazer uma reportagem, contando para todo mundo a história daquele morador tão especial.
Não foi fácil. O Perdão desconversava dizendo que era um homem simples, carente de maiores predicados, não vendo por que tornar-se assunto para uma reportagem. A insistência do jornalista já estava criando um mal estar entre ambos, criando um mau humor inusitado, coisa nunca vista, até então.
Perdão era sempre aquele que trazia alegria transformando todos os ambientes em lugares alegres, com todos desfrutando de um clima de paz e felicidade. Com o tempo passou a ser intrigante o fato de tornar-se mal humorado só porque alguém se interessava em saber a origem de seu apelido.
Por que será? Não que houvesse alguém mais íntimo, mas, mesmo aqueles que mais tempo estavam ao seu lado, não entendiam aquela mudança de comportamento. O problema passou a ser de todos e aquele mistério passou a ser a preocupação dos moradores. Esta preocupação aumentava por dois motivos: primeiro porque passou a aguçar a curiosidade de muita gente e, em segundo lugar, porque muita gente parecia estar se incomodando com o fato, dando demonstrações de preferirem abafar o assunto.
Mas, na verdade, o assunto extrapolou. A curiosidade das pessoas passou a ser propagada como se aquilo fosse um dos mistérios das novelas. Pelas manhãs, nos bares, nas padarias, nas saídas das missas, todos queriam saber de algum desfecho para aquele caso tão intrigante.
Perdão, definitivamente, se encabulava, trancando-se em casa, não conversando com ninguém, evitando sair até para as compras necessárias para o dia a dia.
A cidade discutia a situação, com aqueles que preferiam deixar o Perdão em paz, com seus segredos, esperando que ele voltasse a ser o amigo querido de sempre e os outros que diziam haver fogo embaixo desta cinza, tendo ele algo muito grave a esconder, podendo ser coisa muito séria que comprometeria a todos, seus amigos, as famílias que conviviam com ele e, até a reputação da cidade.
As mais carolas diziam que poderia ser um pecado muito grande capaz de trazer um castigo a todos, talvez uma catástrofe, atingindo as crianças, os velhinhos, enfim, toda a comunidade.
Algo precisava ser feito e as autoridades deveriam tomar providências. Muitas mulheres procuravam o padre, pedindo conselhos. Outras não deixavam as crianças passarem perto da casa do Perdão. Mocinhas eram trancafiadas em casa porque ficavam fofocando com as amigas sobre os possíveis acontecimentos que levariam alguém a viver uma situação tão peculiar.
Um vereador chegou a apresentar uma propositura para que o Perdão fosse convidado a mudar-se da cidade.
Já não havia paz. Não faziam mais festas porque era inevitável que o assunto viesse à baila e poderia contaminar a pureza das moçoilas e das crianças. Nunca mais promoveram um baile.
A cidade passou a ser muito triste. Todos andavam com cara feia e desconfiados, pouco conversando entre si, procurando abandonar as ruas o mais depressa possível, permanecendo protegidos dentro de suas casas. Começou a haver prejuízo para o comércio local. Já não havia mais promoções, com as pessoas adquirindo só o estritamente necessário. Os poucos homens que permaneciam nos bares eram emburrados, reclamando daquela desgraça e culpando o Perdão por tudo o que acontecia.
Diante de tantos problemas o Sr. Prefeito resolveu intervir. Pensou numa situação capaz de desvendar o mistério. Decidiu ir a uma cidade distante onde sabia da existência de alguns parentes do Perdão. Encontrou um único primo, um sujeito desleixado, bêbado, mal educado que vivia jogando bilhar, que era seu meio de subsistência. Jogava bem e vivia de apostas. Morava sozinho, depois de ser abandonado pela mulher e pelos filhos, num pardieiro sujo, mal cheiroso, asqueroso, onde o Sr. Prefeito não teve coragem de sentar-se num banquinho, preferindo ficar em pé, enquanto conversavam. O primo não se mostrou interessado em colaborar, dizendo que o Perdão era seu único amigo e que jamais faria alguma coisa que o desagradasse.
Após muitos acordos e com a promessa de ser bem recompensado, concordou em ser levado até a presença do Perdão e, com a concordância dele, seria capaz de falar alguma coisa.
Assim foi. Até tomou banho e vestiu uma camisinha mais apropriada que guardava numa gaveta.
Perdão assustou-se com a chegada do primo. Lá ficaram conversando e a conversa não tinha mais fim, intrigando o Sr. Prefeito e a população que, pouco a pouco, se aproximava da porta da casa, tentando ouvir algo do que diziam. Eram enormes gargalhadas. Perdão não bebia, mas tinha umas bebidas que ganhava no Natal e elas estavam todas sendo consumidas, naquelas horas. Até ele passou a acompanhar o primo e já se notava que ambos se embriagavam.
O primo insistia que o Perdão deveria contar tudo e acabar logo com a conversa. Perdão dizia que havia um juramento a ser respeitado e que só seria perdoado de seus pecados, se levasse para o túmulo aqueles fatos acontecidos.
- Que nada, dizia o primo, hoje ninguém mais liga para isto. O seu pecado virou folclore. Hoje nem é mais pecado.
Perdão titubeava, ao mesmo tempo em que bebia mais e mais ficava desbocado. Começava a rir de perder o fôlego quando recordava os fatos. Já sem controle, começou a falar algumas coisas que aguçavam a curiosidade daqueles que estavam com os ouvidos na porta de sua casa, querendo saber das notícias. A rua estava cheia de gente. A cada momento se entreolhavam espantados, com as mulheres se benzendo e os homens coçando os bigodes. Parecia haver um desejo de se ausentar, mas ninguém saía, pois coisas piores poderiam ser ditas. Houve empalidecimentos, lágrimas, alguns desmaios, algumas perucas rasgadas, mas, ninguém se ausentava.
A situação só se modificou com a chegada do padre, para quem foi transferida toda a responsabilidade de abafar aqueles fatos chocantes.
As pessoas começaram a se retirar. Com as cabeças abaixadas, olhando sorrateiramente para o chão, encolhidas e assustadas. O Padre bateu na porta e entrou para conversar com os dois embriagados. Muito tempo demorou a conversa.
Quando já estavam mais sóbrios, o primo conseguiu fazer com que o Padre perdoasse aqueles pecados tão antigos, já apagados da memória do próprio Perdão e que não deveriam modificar a estrutura familiar do local, pois eles próprios já nem mais se lembrariam de nada.
O Padre perdoou.
Perdão foi, pouco a pouco, reaparecendo, com as pessoas se aproximando, um tanto desconfiadas, mas tentando voltar ao normal.
Alguns meses depois ninguém mais falava daquele assunto. O primo, não se sabendo se por uma aposta ou por mérito de seus argumentos, conseguiu convencer o jornalista a esquecer-se do ocorrido e a vida continuou.
Enquanto permaneceu na cidade o primo saía com o Perdão e as pessoas olhavam temerosas, escondendo-se, envergonhadas.
Afinal, todos ficaram sabendo dos pecados, mas foi como se não tivessem acontecidos. Todos preferiam esquecê-los. Algo como um pacto entre todos: silêncio total.
O apelido fora dado pelo primo, quando Pedro Ernesto fora repreendido pelo padre, quando ainda era menino e ficava escondido pelos cantos, vendo quem saia com quem, bisbilhotando a vida de todo mundo, sabendo dos seus pecados. Homens importantes, mulheres ilustres, mocinhas religiosas, autoridades, políticos, todos freqüentavam um sítio onde as mais divertidas perversidades aconteciam. Pedro Ernesto sabia dos dias e das horas e se escondia num lugar bem protegido para apreciar os espetáculos.
Quando foi fazer primeira comunhão, o padre lhe dissera que aquilo era pecado e que ele deveria pedir perdão a todos os envolvidos, sem o que seria castigado.
A tarefa era difícil, pois muito pouca gente da cidade não havia sido flagrada por ele em alguma estripulia.
Então, ele pedia perdão a todos.
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