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Contos-->A BENZEDEIRA -- 10/05/2011 - 20:39 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Bem pra lá do horizonte, atrás das serras distantes, morava uma idosa mulher, beirando os seus cento e vinte anos.
Maria era o seu nome. Mas ela nem sabia se havia sido batizada.
Não tinha religião. A sua única paixão era adorar as estrelas cintilantes no firmamento, que ela chamava de forro do céu. Ficava horas e horas a espiá-las, até que seus olhos lagrimejantes se fechavam
Durante o dia, preparava a sua refeição com as poucas hortaliças cultivadas ao redor do seu casebre.
Quando moça, casou-se com um velho pajé da tribo Xacriabá, que lhe ensinou algumas rezas indígenas e uma série de remédios feitos com ervas, cascas e folhas de árvores, raízes boas e daninhas. Até veneno de cobra, aranha e escorpião ele usava.
Mas, pela diferença de idade, em pouco tempo Maria ficou viúva.
As más línguas da redondeza diziam que a macumbeira tinha aprendido suas mandingas com os velhos diabos que a visitavam às sextas-feiras santas.
A coitada estava tão por fora do tempo e do calendário que nunca sabia quando era a semana santa.
Sentada em uma velha cadeira de palha, também centenária, ficava esperando alguém para benzer.
Além de curar com seus elixires, Maria benzia tudo, desde menina. Aprendera com sua mãe e avó a arte de benzer que, segundo elas, foi trazida da longínqua África.
A preta velha tinha sido escrava e libertada pela Lei Áurea, assinada pela sua santa princesa Isabel, quando tinha sete anos.
Em seu curandeirismo, ela acabava com os maus-olhados ou quebrantos, erisipelas, buxos virados dos recém-nascidos, cobreiros, e tirava o sol da cabeça daqueles que sofriam horríveis enxaquecas. Enfim, ela benzia qualquer doença.
Nunca contou para ninguém que a sua força para benzer resultava das orações feitas às estrelas.
Em seus longos períodos de observações, Maria começou a classificar os astros segundo a sua moda, pois não sabia ler nem escrever. Decorou as principais e o astro escolhido recebia um nome.
Vênus, a mais radiante, passou a se chamar Brilhante. Marte, por sua cor avermelhada, Maria chamava de Vermelhinha. Depois de muito observar as cinco estrelas do Cruzeiro do Sul, a velha batizou-as carinhosamente de “o meu Santo Rosário”.
E para o seu próprio encantamento, garantia que todas as estrelas que formavam o cruzeiro eram filhas de outra Maria – a mãe de Jesus Cristo – morto na cruz, a quem ela tanto admirava nas longas noites escuras, sem o clarão da lua, naquele imenso céu do sertão de Minas Gerais.
Nem para o seu falecido marido índio contou esses segredos.
Vinha gente de todos os cantos para falar com Maria.
Rara era a semana em que a preta velha não recebia pelo menos duas visitas.
Certa vez, ela ainda se lembra, veio uma senhora bem vestida e elegante, pedindo para ser benzida contra mau-olhado.
– Não agüento mais minhas dores de cabeça. Além disso, sinto muito desânimo, queixou-se. Sou rica, isso deve ser resultado de inveja, concluiu.
Maria fez suas orações e algumas mandingas.
Depois de meia hora, a mulher revelou que estava ótima. Tirou o maior anel de ouro de seus dedos e o entregou à benzedeira, que respondeu:
– Filha! Não aceito pagamento algum. Nunca aceitei. Agradeça às estrelas e vá por seu caminho em nome de Jesus morto nas cinco estrelas!
O único utensílio que ela gostava de ganhar, de vez em quando, eram vidros e garrafas vazias, para colocar as efusões ensinadas pelo velho pajé. Até os pequenos vidros de remédios ela aceitava.
Lavava os vasilhames, com todo o carinho, no riacho que corria perto de seu casebre e deixava-os secando ao sol. Depois, tampava e guardava no seu velho guarda-comida.
Vinha gente a pé, de carroça, charrete, a cavalo e, às vezes, de automóvel.
Só uma vez Maria fez questão de entrar em uma geringonça daquelas, como ela chamava os barulhentos automóveis que paravam perto de seu casebre.
– Devem ser filhos do trovão, ponderava Maria, benzendo-se.
Outra frase célebre da curandeira:
– Chegou aqui vivo, eu curo! Mas, se faleceu no caminho não me tragam, eu não gosto de ver defunto morto!
Anos atrás, apareceu no sítio da preta velha, de carro, acompanhado por uma das filhas, um rico fazendeiro da região. Apesar do calor, a jovem estava coberta com um xale de lã, que escondia seu rosto e os cabelos.
O homem, com lágrimas nos olhos, falou:
– Minha santinha. Veja o rosto de Marina, que só tem quinze anos.
A menina tirou a xale da cabeça e mostrou a sua face esquerda, coberta com uma enorme ferida.
Maria aproximou-se, examinou a moça e sem delongas afirmou:
– Meu senhor, isto é cobreiro, e dos feios! Ela deve ter se deitado na grama onde alguma serpente dormiu.
– E tem cura? Perguntou, aflito, o fazendeiro.
– Sim, meu filho. É preciso benzer três vezes ao dia, durante sete dias seguidos. Ela tem de ficar comigo. O senhor permite?
– Mas é claro! Como eu posso pagar por isso?
– De forma alguma. Volte amanhã com algumas peças de roupas para a menina e retorne daqui a sete dias.
Assim foi feito.
No sétimo dia, o fazendeiro voltou e chorou de felicidade ao ver o rosto da filha praticamente curado.
– Consultei até um médico no Rio de Janeiro e de nada adiantou. Bendita seja a senhora, mãe Maria!
Marina vinha visitar a sua curadora periodicamente para mostrar que nem cicatriz havia ficado.
O tempo foi passando e Maria ficava cada vez mais cansada.
Padre Geraldo, o vigário do lugarejo, que morava distante da choupana de Maria, sabendo da sua condição, resolveu visitá-la.
E num domingo, depois de rezar a missa das sete, colocou um pão no bolso da batina e começou a longa caminha até a casa da preta velha. Água ele beberia das fontes que havia no caminho.
Porém, Maria estava exuberante.
De uma ora para outra viu-se rodeada de crianças. Como não sabia contar, imaginou mais de cem pequenos ao seu redor.
Para o seu espanto, não se sentia mais cansada.
Em meio de toda aquela algazarra ela sorria, pedindo calma a todos, pois iria benzer um por um.
Quando o primeiro menino sentou-se em seu colo, ela ficou abismada. O garoto, vestido de anjo, com asas e um buquê de flores nas mãos, disse:
– Vovó Francisca trouxe os meus amiguinhos para a senhora conhecer. Também quero que a senhora benza todos eles com os seus santos ensinamentos. Estas flores são para a senhora!
Maria não queria acreditar: será que os anjos vieram do céu para ajudar-me? Será que alcancei esta divina graça, aqui na Terra?
E começou a rezar para as estrelas, benzendo todos até escurecer.
Quando o último saiu de seu colo, olhou para o céu, mas não viu nenhum astro no firmamento.
Estranhou. Os anjinhos estavam indo embora. Resolveu segui-los para ver onde moravam.
Caminhava ligeiramente, como nos seus tempos de mocidade.
De repente, as estrelas começaram a surgir. Estavam mais perto do que de costume.
Ela concluiu, então, que tinha sido arte dos danadinhos dos anjinhos. E continuou a caminhada, pensando.
De repente, como num passe de mágica, o seu Santo Rosário surgiu ao seu lado, convidando-a para deitar e descansar.
Maria aceitou, deitou e dormiu o sono mais tranqüilo de sua vida.
Padre Geraldo, depois de umas três horas de caminhada, chegou ao barraco de Maria.
Chamou-a diversas vezes. Como não obteve resposta, entrou e deparou com a velha senhora deitada em seu catre.
Aproximou-se e notou que Maria estava dormindo o sono dos justos. Tirou seu breviário do bolso e rezou a oração dos defuntos.
Com seu pequeno vidro de água benta, benzeu o corpo. E sentou-se na velha cadeira para velar Maria.
Considerando a sua decisão de visitar a querida preta velha naquele domingo, voltou para cuidar do enterro da bondosa senhora – a benzedeira dona Maria!


Roberto Stavale
São Paulo, Maio de 2011
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