Zenildo era petulante, porém, prestativo apesar de não ter onde cair morto. Possuía um velho carinho, marca Wolksvagem. Certa ocasião, ele soube de eu estar a pé e prontificou-se a me dar uma carona. Agradeci, recusando o préstimo. Foi inútil. Ele informava estar se deslocando ao meu encontro. O som ruidoso do motor identificou-o chegar. Constrangido, restou-me aceitar sua gentileza. Embarquei e ao puxar por dentro o trinco da porta, mesmo devagar, fiquei com ele na mão. Zenildo comentou: "Pois é tenho que consertar este trinco, mas vou deixando e dá nisso." Iniciou a chover, ligou o limpa vidros estridente por estar com a làmina de borracha gasta, gerando atrito contra o pára-brisa na cadência do vai-e-vem. No rádio, ele ouvia uma canção de uma dupla caipira e chorosa. Pressenti o dissabor que teria andando naquele carro tão enaltecido. "Meu fuscão está uma jóia", dizia Zenildo. Mal concluiu, o motor pipocou e apagou com o carro atravessado no meio da rua. Motoristas buzinavam insistentes, aqueles que ultrapassavam berravam impropérios: "Retire este lixo do caminho! Troque por uma bicicleta!" Zenildo não desistia tentando girar o arranque para fazê-lo pegar, até que descarregou a carga da bateria. A chuva se manteve copiosa. Ele decidiu-se, desembarcou abrindo o capó do motor e examinando o interior. Culminou vindo me dizer: "Póxa, sei o que aconteceu, esqueci-me de reabastecer, estamos sem gasolina - ele falava no plural - e ainda pior, deixei a carteira com o dinheiro em casa. Tem um posto na quadra seguinte após dobrar a esquina". Coube-me ser solidário e disse o que restava: "Vamos empurrar o carro até lá". Minha roupa ensopou com a chuva, sorte que antecedia o posto de abastecimento a rua em declive, facilitando em càmbio neutro prosseguir e estacionar junto da bomba. Coube-me bancar o pagamento de uns litros de gasolina para que ele fosse até sua casa, levando a "jóia" motorizada. Decidi-me apanhar um táxi e ir para casa mudar de roupas. O capó do motor foi fechado, ele embarcou no carro e os funcionários do posto empurraram o carro até pegar no tranco. Da descarga emanaram estampidos, como se fosse sessão de fogos de artifício, até que funcionou. Manobrou ao meu lado insistindo para complementar a carona que ofertara e por mim, incisivamente recusada. Assisti Zenildo arrancar em velocidade com seu fuscão fumarento. Em casa, troquei de roupas, injuriado pelo acontecimento desagradável. Nisso tilintou a campainha do telefone - era Zenildo dizendo: "Quer que o busque? Assim completo a carona". Um pesadelo descortinou-se em minha mente. Tive que insistir agradecendo e forcei para encerrar a ligação, ele atrevidamente me disse: "Viu só meu fuscão está tinindo, bastou abastecê-lo". Olhei para minha mão repleta de escoriações e manchada de óleo queimado ao empurrar o carro, nada comentei e desliguei o telefone. Até hoje, estando a pé, se ouvir o som que parte da descarga de um automóvel, desvio o olhar para o lado oposto. Temo que seja Zenildo decidido a me oferecer carona.