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Contos-->«O ABRAÇO QUE EU NÃO TE DEI...» -- 08/12/2010 - 17:04 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Álvaro e Ricardo moravam na mesma rua. Brincaram juntos desde miúdos, num jardinzinho comum às traseiras dos seus prédios. Foram matriculados pelos pais na mesma escola, onde completaram a instrução primária (actual 4º ano).
A partir daí, cada um seguiu o seu destino, embora mantendo a amizade que os unia.
A família de Álvaro emigrou para Moçambique, colónia em já viviam outros familiares. Ricardo continuou os seus estudos, completando o 7º ano do Liceu, mas não chegando a entrar para uma Faculdade. Os pais viviam com dificuldades e ele teve de se empregar para ajudar ao sustento da casa.
Assim que chegou a Lourenço Marques (hoje Maputo), Álvaro escreveu uma longa carta para Ricardo. Foi o começo de uma troca de correspondência, ao correr dos meses e dos anos, primeiro muito frequente, depois mais espaçada, por fim apenas no Natal, nos aniversários, nas férias ou quando acontecia algo de novo ou transcendente.

Em Moçambique vivia-se bem naqueles anos 1950. Os pais de Álvaro tinham uma cantina nos arredores de Lourenço Marques, onde vendiam um pouco de tudo e faziam bom negócio. Davam-se muito bem com a comunidade local. Ele empregara-se numa empresa petrolífera europeia, com sede na Capital.
Enquanto isso, em Lisboa, acabados os estudos, Ricardo arranjou emprego num hospital. Entusiasmado pelos colegas, inscreveu-se numa escola de enfermagem no intuito de melhorar as suas condições de vida. O pai era empregado numa loja de roupas de homem e a mãe era doméstica.
Tudo isto era contado em pormenor, nas cartas trocadas pelos dois amigos. Simultaneamente, tentavam convencer-se a passar umas férias juntos. O alojamento estava assegurado na “Metrópole” ou em Moçambique, mas as viagens de barco ou de avião eram ainda muito caras e os dois amigos não nadavam em dinheiro. Foram sonhando que «talvez um dia a coisa se proporcionasse». Dariam então, ao vivo, aquele «abraço de amizade» com que finalizavam invariavelmente as suas missivas. De quando em vez, em lugar de cartas, Álvaro enviava postais ilustrados para entusiasmar o amigo com as belezas da terra moçambicana.

Alguns anos mais tarde, Álvaro enamorou-se da filha de um reputado médico de Moçambique. Casaram e tiveram dois gémeos, o Tiago e a Cristina.
Obviamente que convidou Ricardo para o casamento mas este, por dificuldades económicas, não se pôde deslocar. Enviou-lhe no entanto uma prenda pelo correio, o mesmo sucedendo quando do nascimento dos dois filhotes.
Os pais de Álvaro tinham alargado a sua rede de cantinas, possuindo agora um total de quatro: a antiga, duas novas - noutros bairros da cidade - e uma nos arredores. Se fosse agora dir-se-ia que se tratava de pequenos minimercados. Álvaro, entretanto, tornara-se Chefe de vendas da empresa em que trabalhava, percorrendo Moçambique de lés a lés em viagens de serviço.
Ricardo, pelo seu lado, foi contratado como enfermeiro diplomado por uma clínica privada de Lisboa. O pai morreu entretanto vítima de um AVC e o facto contribuiu para que ele se mantivesse solteiro, afim de melhor poder acompanhar e cuidar da mãe, que vivia apenas da pequena pensão deixada pelo marido.
Todos estes eventos faziam com que houvesse de novo uma maior troca de cartas entre os dois amigos, que chegavam a pedir conselhos um ao outro sobre os rumos a seguir nas suas vidas. Era uma amizade singular, mantida desde a infância e a que nem a distância de milhares de quilómetros conseguira fazer esquecer, como acontece a tantas outras.
Trocavam igualmente fotos suas, muitas das vezes acompanhadas das respectivas famílias. Álvaro escolhia sempre locais maravilhosos para posar, a fim de que o amigo pudesse apreciar a terra em que ele vivia.

Na sua qualidade de Chefe de vendas, Álvaro foi convocado para uma reunião de Quadros, a realizar em Londres no último trimestre do ano. Desde logo pensou que poderia fazer uma surpresa ao amigo. Mas nada disse, mesmo nas cartas que entretanto com ele trocou. De outro modo deixaria de ser uma surpresa.
Num sábado de Outubro, apanhou um comboio para Joanesburgo, onde teria uma ligação aérea directa para Londres. A reunião realizava-se na segunda-feira. Pediu uma semana de férias, o que lhe permitiria ir a Lisboa, o que lhe foi concedido.
A reunião de vendas, que juntou vendedores dos quatro cantos do Mundo, decorreu durante todo o dia, apenas com um intervalo para almoço. Álvaro partiu de Londres ainda naquela noite, chegando a Lisboa cerca das 21 horas. Dirigiu-se logo para casa do amigo.
Abriu-lhe a porta a mãe de Ricardo, toda vestida de negro. «Ainda pela morte do marido», pensou.
- Morreu fez ontem uma semana - disse soluçando.
- Morreu quem? Como? Explique-me! – perguntou Álvaro com ansiedade.
- Ele estava muito mal já há alguns meses. Nunca te quis contar. Tinha “uma daquelas doenças incuráveis” e os médicos tinham-no preparado para o “pior”. Deixou uma carta para ti, recomendando-me muito que só a pusesse no correio depois da sua morte, Vou buscá-la.
Álvaro deixou-se cair pesadamente num sofá, desalentado. D. Rosa estendeu-lhe um envelope, que ele abriu com mãos trémulas. Fez uma primeira leitura só para si e depois releu algumas passagens em voz baixa: «Soube no mês de Janeiro que tinha um tumor no cérebro. Os médicos explicaram-me que uma operação cirúrgica era de altíssimo risco. A única hipótese de viver mais uns tempos era ser tratado para evitar o aumento do tumor. Nunca quis contar para não te apoquentar. Sabia quanto eras meu amigo, uma amizade que perdurou desde meninos até agora, homens já feitos, apesar da terra e do mar que nos separavam, e dos quilómetros que nos afastavam. Desculpa esta mentira. Recebe esta carta como um verdadeiro abraço de amizade, abraço com que terminávamos as nossas cartas, mas que nunca demos verdadeiramente. Consola a minha mãe, é o último favor que te peço. Deixo-a sozinha no Mundo…»
Álvaro olhou a mãe do amigo, abraçou-a longamente e sussurrou-lhe:
- Nunca mentimos um ao outro, foram apenas duas trágicas omissões. Ele não me disse que estava doente, eu não lhe contei que vinha visitá-lo. Para que eu não me sinta ainda mais pobre, venha comigo para Moçambique. Será lá tratada como minha segunda mãe. Ricardo ficará contente e, finalmente, poderá repousar em Paz!
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