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cronicas-->O Dia Amarelo -- 18/09/2006 - 00:26 (Carlos Eduardo Canhameiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Dia Amarelo

Carlos Canhameiro

Mamãe, está piscando amarelo. É só um semáforo, menina. Todos mamãe. Como todos? Ao que parece, uma pane elétrica atacou a cidade e todos os semáforos da cidade estão desativados, piscando todos na cor amarela. Fale alguma coisa que eu não saiba, cretino, não é você que está preso neste trànsito há cinco horas vendo essas merdas de faróis piscando feito árvores de natal. E agora mamãe? Fica calma, florzinha, daqui a pouco o papai liga e fica tudo resolvido. O papai vai fazer o sinal parar de piscar amarelo? Vai, o papai pode tudo. Não se tem contingente suficiente de policiais de trànsito para dar conta dessa bagunça. Será o Benedito que não sabemos mais andar de carro sem a ajuda de um maldito sinal vermelho ou verde? Atenção, não adianta buzinar. Deus do céu, quanto barulho. Escuta amor, estou a três quadras de casa, no máximo em meia hora eu chego. Tá tudo amarelo, piscando sem parar. A polícia chegou. Mamãe, cadê o papai? Quem vem pela direita tem preferência. Espera, cuzão, não adianta acelerar e colocar o carro na calçada, não tem por onde passar. Desliga o motor vovó, vai gastar gasolina à toa. Mamãe, continua piscando...

Eu nasci na perua que levava minha mãe para o trabalho. Minha tia disse que foi no dia amarelo. Fizeram o parto dentro do carro mesmo porque não tinha como chegar no hospital. Fui notícia de jornal, meu cunhado me mostra as reportagens toda vez que vou na casa da minha irmã. Minha mãe morreu pouco depois. Hemorragia, disseram. O motorista da perua, que hoje é o meu vizinho, disse que o sangue escorria pelo banco de corvim e ele só se lembra de ver o amarelo do sinal aparecendo e sumindo no reflexo vermelho do sangue que escorria da minha mãe. Ele me disse que era apaixonado por minha mãe e que não queria que ela morresse. Disse que depois que eu nasci ele carregou ela no colo uns dez quilómetros até achar um hospital, mas já era tarde demais. Eu transei com ele uns dias atrás. Meu marido não gosta de sexo. Ele sussurrou o nome da minha mãe no meu ouvido. Fiquei imaginando o sangue amarelo.

Roubaram meu carro no dia amarelo. Como não tive coragem de atravessar a rua com o semáforo piscando, um garotão sem camisa e tatuagem nas costas apontou a arma e me levou o carro. Ele teve coragem de cruzar a rua mesmo no amarelo piscando. Um caminhão bateu nele e jogou o carro longe. O rapaz estava com vida quando cheguei no carro. Peguei a arma dele e dei dois tiros na tatuagem que ele tinha nas costas e sai andando na faixa de pedestre.

Minha mulher me ligou do trànsito. Disse que a cidade estava um caos porque os semáforos... Bem, vocês já sabem da história toda. Eu falei que não sabia de nada. Apesar de estar vendo na tela do meu computador a notícia das centenas de quilómetros de congestionamento. Eu queria que ela ficasse lá por muito tempo. Eu falei que tentaria alguma coisa e que ligaria em seguida. Nunca mais liguei. Ouvi dizer que ela se casou de novo, com um guarda de trànsito. Engraçado.

Ainda é caótica a situação. Ninguém do governo consegue dar explicações e todos empurram as responsabilidades para outros setores. Que merda. Eu pago meus impostos. O senhor não pode me multar por estar parado em cima da faixa. Não é capaz de ver o estado em que estamos? Preciso pegar as crianças no colégio. Minha reunião. O celular não pega no túnel. Não desça do carro, por favor. A gasolina está acabando. Preciso fazer coco. Liga para ele agora. Não vai dar tempo. Relaxa. Troca de cd por favor.

Ele me deu uma carona depois do trabalho. Ele disse que morava perto do meu bairro, era novo no trabalho. Não era bonito mas tinha braços fortes. Ficamos no carro durante horas. Não sei dizer o quanto. Deus, acho que foram quase 12 horas. Estava exausta. Ele usava óculos. Só me lembro disso. Loiro. É lembro disso também. Parecia meio acanhado. Ele abriu o zíper da calça e disse para eu chupar. Ele até tinha um pau bonito. Não era grande, mas eu não queria chupar. Então ele me forçou com o seus braços fortes, empurrando minha cabeça. Eu resisti um pouco mas depois chupei. Eu via o amarelo piscando no peito suado dele. Quando percebi que ele ia gozar mordi forte e senti o sangue com porra na minha boca. Ele gritou e eu vomitei em cima dele.

A gente ia para praia. Em dois carros. A gente ia pegar o outro carro na casa do meu irmão. Fomos todos num carro só até lá. Nove pessoas. Três na frente e cinco atrás. Eram só quinze minutos até a casa do meu irmão. Estava muito quente. Minha namorada estava no colo da minha prima. Estou dizendo, estava um calor enorme. Depois de muita gritaria e conversa fiada, ficamos calados. Não dava mais para aguentar. Quando resolvemos descer do carro para aliviar o corpo é que percebemos que a minha prima tinha morrido asfixiada. Minha namorada se matou um mês depois se jogando de um viaduto. Deixou um bilhete. Não me lembro de tudo, apenas de estar escrito: "minha mente pisca amarelo".

Eu tinha uma bicicleta, então, não fez muita diferença. Foi até mais fácil chegar no campo de futebol porque os carros estavam parados.

Mamãe, ficou verde, e agora?
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