MENINO
"O grande homem é aquele que
não perde o coração de criança."(*)
José Eurípedes de Oliveira Ramos
O que é um menino-criança, criança-menino? O capetinha que põe cabelos brancos nas mães? Que é inocência e comovente ternura quando a abraça e diz: "-ti amo, mãe!". Seja o que for, e há muito que dizer, a lembrança da aurora da vida de vez em quando vem visitar os adultos. São inúmeros os depoimentos.
Para o "seu" João da Quita, pescador em Itanhaém, a saudade da infància brotou depois dos 70. Os anos de labuta forçada desde a primeira idade adiaram o sentimento de perda da meninice. Criança pobre, saltou das fraldas para o mundo dos adultos. Para o poeta Casimiro de Abreu a dor veio mais cedo, pouco depois da adolescência. Na maturidade, Victor Hugo cantava a primavera da vida: "Oh souvenirs! printemps! aurores!". Cecília Meireles escreveu que "...nossa infància é o último esquecimento, derradeiro consolo e suprema poesia de nossa existência. Tudo o mais pode cobrir-se de sombras, nossa infància será um sol nítido, mesmo quando não haja sido tão brilhante, nem feliz". O ator Lima Duarte afirma que se sente feliz porque acalenta continuamente seu jeito menino, mantendo-se no "...delicado fio entre a fantasia e a realidade" o que o ajuda a enfrentar a rudeza da vida.
A vida ou o jeito de ser nos faz diferentes na percepção do tempo e da perda da riqueza do mundo infantil. Há algo de mágico no broto da vida, tão sensível que fez Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) abandonar seu estilo divertido e anárquico, ao afirmar: "Pobre daquele que não guardou consigo um pouco da infància". Até Paulo Francis se fez humilde e admitiu que "a infància é só um instante, mas contém uma chama que se leva para a vida toda". E, se bem me lembro, Goethe declarou que a "...infància é a visão da imortalidade."
Saudade, resgate da inocência, instinto de eternização, fuga à s imposições da vida? Não sei! Mas, parece que todos guardamos alguma saudade e, em algum momento da vida, experimentamos a ausência dos leves tempos da meninice: quando tudo é nada e o tempo não existe; quando o que é... é aqui e agora, sem o ontem ou o amanhã, nem passado nem futuro...
E, naquele dia em que pescávamos no Atlàntico com os tripulantes da embarcação do "seu" João, ao largo da Juréia, o amigo Nê --casmurrento, de pouca prosa, que anda pela casa dos quarenta-, a seu modo um filósofo, revelou, nostálgico:
-Lá no céu deve ter um jeitinho da gente voltar à infància e fazer tudo aquilo que a vida roubou!
(*) Não me lembro do nome do autor.
José Eurípedes de Oliveira Ramos
Da Academia Francana de Letras.
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