Estive tão próximo dele, quanto alguém pode estar perto de quem já não está entre os vivos. Estive em sua casa, mais precisamente onde morou com sua amada. Onde viveu o maior e melhor amor, em meio às coisas do lar, seus livros, poemas, lembranças, a cama onde amou, enfim, em meio a tudo que lembrava os melhores dias. Diria que, pra qualquer pessoa, seria como visitar um museu, rever o passado, entretanto, seus versos não são passado, são presente, estão vivos na alma de quem ama. Quem não gostaria de ser a mulher amada dos versos abaixo? Dê uma espiada e veja se não tenho razão?
Beijos e aproveite,
Valentina
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera , amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Pablo Neruda
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