A LANTERNA
Ele tinha uma vaga lembrança do local,
embora tenha passado muito tempo, desde a primeira vez.
Contava seus quinze anos de idade, quando seu tio
o levou àquela casa da lanterna vermelha,
de janelas pequenas e porta larga.
À entrada, já se via a alegria que reinava lá dentro
– ao menos, isso foi o que seus olhos viram na adolescência.
Era tudo muito colorido, a música alta, aqueles homens
bebendo e rindo muito, as moças em trajes mínimos,
cada uma mais bonita do que a outra.
Extasiou-se!
O local era aquele, sem dúvida alguma,
mas estava tudo tão diferente!
Faltava algo ali – ou teria algo a mais, naquele lugar...
Aproximou-se da casa e, antes de tocar a campainha,
deu vazão às lembranças, nítidas em sua mente,
como se acontecesse agora.
Ela fora trazida pela mão de Dona Creuza – a dona do lugar.
Mulher de olhar firme, voz impactante, ainda bonita
- embora um pouco desgastada pelo tempo
– olhou bem no fundo de seus olhos e dissera:
- Conforme seu tio pediu-me, trouxe-lhe a moça mais bonita
que tenho aqui. Esta é a Rosinha... Ela não é linda?
Ele nada respondeu, pois estava magnetizado por aqueles olhos verdes,
penetrantes, um pouco temerosos.
Parecia ser a sua primeira vez também, assim como ele.
No quarto a eles reservado, permaneceram sentados na cama,
um ao lado do outro, sem nada dizerem.
Ele, encantado – ela com medo.
Era comum, naquela época, o pai ou - na falta dele -
um parente próximo, levar o adolescente ao prostíbulo
para ter a sua primeira experiência amorosa,
e com ele, não foi diferente.
Há tempos o tio vinha alertando sua mãe:
- Maria, esse menino já tem idade pra conhecer a vida.
Já engrossou a voz, passa horas vendo revistinhas no banheiro,
tá na hora, minha irmã, tá passando da hora!
E foi assim que ele fora parar ali, naquela casa misteriosa,
que tinha uma magia especial, com todas aquelas mulheres lindas,
a musica inebriante e os homens todos, muito felizes.
Essa foi a impressão que sua alma de poeta
– rabiscava seus versos em todo papel que via pela frente –
tivera, naquela primeira vez.
Agora, passados tantos anos – não sabia precisar quanto –
ele estava de volta à casa alegre de lanterna vermelha,
pendurada no umbral da porta de entrada, larga e convidativa.
Queria encontrar Rosinha, a sua Rosinha que, naquela noite,
não tivera coragem de se aproximar,
tão delicada ela era a sua figura.
Encheu-se de coragem e tocou a campainha,
daquela porta diferente que não mais ostentava
a lanterna vermelha. Uma senhora gorda,
mal vestida, veio lhe atender.
- Pois não, senhor...
- Pedro, senhora, meu nome é Pedro Gomes.
Estou procurando por uma moça que morou aqui,
há um tempo atrás – pra mais de uns quinze anos,
não me lembro muito bem, de nome Rosinha.
A dona da casa era Dona Creuza, a senhora conheceu?
- Não conheci não... Mas ouvi dizer que aqui, antigamente,
funcionava um prostíbulo, zona do meretrício,
sabe, e que, quando a cafetina morreu,
as moças se dispersaram, algumas foram para outros locais
de viração e outras, morreram, com tuberculose.
Foi um caso muito triste, que toda a cidade comentou, na época.
Ele agradeceu e saiu cabisbaixo.
Em sua lembrança, ainda viva,
vinha apenas a imagem daquela moça tímida, magrinha,
de olhos verdes misteriosos,
que fixou residência em sua mente
e não saíra nunca mais!
(Milla Pereira)
NA:
Dona Creuza era o nome da dona do prostíbulo em minha cidade natal.
Ela era uma moça muito bonita, estudamos juntas e éramos amigas.
Depois que os pais foram assassinados, por vingança,
ela entrou em depressão, não tinha ninguém, nem onde morar
e sua única saída foi o prostíbulo, transformando-se
na puta mais famosa da região.
Foi um choque na cidade e para nós, adolescentes, suas amigas.
As casas de tolerância constituíam o setor turístico
das pequenas cidades e povoados na época
e movimentavam a “economia” do lugar.
Lembro-me de meus irmãos comentando,
à boca pequena, que as Prefeituras,
para manterem os locais funcionando,
cediam suas casas e providenciavam
ajuda de custo para as cafetinas.
O que prova que nada mudou – de lá para cá, tudo igual.
(Maria Emilia Pereira)
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