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Contos-->O VELÓRIO -- 24/09/2010 - 13:19 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A pacata cidade de Colina, no interior paulista, vivia tranqüilamente o ano de 1941.
Toda a região era tomada por grandes fazendas. Algumas de café e outras para pastagem do gado, que seria abatido no frigorífico de Barretos.
Ninguém sonhava que tudo aquilo, no futuro, seria transformado em plantações de laranja e cana-de-açúcar, com suas usinas e fábricas para extração de suco concentrado.
Incluindo a zona rural, a população colinense não passava de três mil habitantes.
Oficialmente, o município foi fundado em 21 de abril de 1926. Hoje é conhecido como a Capital Nacional do Cavalo, por suas fazendas de criação desses animais, além das festas tradicionais, que acontecem em julho e atraem turistas e cavaleiros do Brasil e exterior para as competições.
Naquela época, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro já passava por Colina em direção a Barretos.
Lá, em 1941, nasceu e cresceu Claudimir Batista Silva, filho de lavradores de café.
Claudimir sempre morou em uma pequena casa do outro lado da linha do trem, perto da pensão da dona Zezé, o único local onde o viajante podia dormir e fazer as suas refeições.
Desde criança nosso personagem foi namoradeiro.
Com doze anos já despertava paixão nas meninas, que brigavam por ele.
Quando prestou o serviço militar, em Bebedouro, arrumou duas namoradas.
Ele cresceu e seguiu a profissão dos pais. Em Colina, chegou a ficar noivo de uma moça e, com outra, marcar casamento.
Segundo os mais velhos, em todas as cidades próximas de Colina, como Jaborandi, Severínia, Terra Roxa, Barretos, Bebedouro, Monte Azul, Monte Verde ele tinha namorada.
Não sei se é lenda, mas contam que, às vezes, aos domingos, Claudimir ia de trem até Jaboticabal para namorar a filha de um fazendeiro.
E assim o tempo foi passando e ele, embora estivesse com mais de cinqüenta anos, continuava feroz em suas conquistas.
Seus casos com mulheres casadas já eram comentados na região.
Uma ou duas vezes foi preso, denunciado por maridos traídos, mas como era amigo de todos na cidade – padre, prefeito, delegado, juiz e boêmios dos botequins que freqüentava, onde cantava e tocava violão – jamais pisou num Tribunal de Justiça.
Porém, a doença pegou Claudimir de surpresa.
Depois de muitos dias com febre e tosse, internou-se num hospital de Barretos. Exames e radiografia dos pulmões diagnosticaram tuberculose acompanhada de uma forte anemia.
De lá, através da Secretaria da Saúde, foi levado para um Sanatório em Campos do Jordão.
Claudimir ficou fora da cidade mais de dois anos.
Quando voltou, já não era mais o mesmo. Fraco, abatido, magro, e ainda com resíduos da doença, ficou na velha casa, aos cuidados de Maria, sua irmã solteira
Ele nunca se casou.
As más notícias correm com a velocidade do vento.
Todas as suas ex-namoradas, noivas e amantes ficaram sabendo.
Muitas, de outras cidades, vinham visitar seu antigo amor.
Uma tarde, Claudimir acenou para Maria, sem forças para falar.Tossindo sangue, ele faleceu. Sozinho, ao lado da irmã.
Rapidamente, a notícia da morte se espalhou, inclusive em outras cidades.
O prefeito autorizou o velório no salão de entrada da prefeitura.
E começou, então, a chegar gente de tudo quanto era lado, a maioria, mulheres.
E tudo corria normalmente até que houve a primeira confusão.
Cachaça, e da boa, era servida entre os seus amigos. Até algumas mulheres resolveram bebericar.
Felício, amigo inseparável, já tinha tomado quase uma garrafa, quando resolveu se sentar.
Em meio a tanta gente, só havia uma cadeira, que parecia vazia.
Bêbado, não titubeou.
Mas por que aquela cadeira estava vazia?
Um vira-lata dormia nela e assim que Felício se sentou, o cachorro deu um ganido forte e começou a latir, assustando todos.
Daí pra frente ninguém mais segurou o povaréu.
Às três horas da madrugada, só as antigas namoradas de Claudimir permaneciam em volta do caixão.
Uma começou a discutir com a outra e chegaram às vias de fato, com tapas e puxões de cabelo, por cima do caixão.
As que estavam ao lado das briguentas tomaram partido e partiram para a batalha.
A balbúrdia foi tão grande que derrubaram o caixão.
O corpo de Claudimir rolou para um lado e ficou debruçado com a cara no chão, com as costas do paletó rasgadas da gola até a cintura.
O caixão, quebrado nas laterais, foi parar do outro lado do salão.
As velas caíram sobre os panos lutuosos e deram início a um incêndio.
A briga entre as mulheres continuou ao redor da prefeitura.
Acalmados os ânimos, levaram o corpo para a rua, onde ficou estendido na calçada.
O fogo foi dominado, mas deixou muitos prejuízos para a prefeitura.
Um caminhoneiro dispôs-se a ir até Barretos, buscar outro caixão para que Claudimir fosse enterrado em paz.
Alguns soldados controlaram os bêbados e a mulherada, para que o velório prosseguisse em ordem.
As confusões pareciam terminadas quando uma senhora, ex-noiva do falecido, resolveu acender outras velas perto do caixão, alegando que, sem elas, a alma de Claudimir não descansaria em paz.
Mas o delegado proibiu aquele louvor de fé. O marido, irritado com a decisão, passou a discutir com a autoridade que mandou prender os dois por tentativa de incêndio.
Nesse instante, fazendo o maior barulho, dois caminhões do Corpo de Bombeiros chegaram de Bebedouro. Mas onde estava o incêndio de grandes proporções?
Mais discussão!
Um vereador da oposição subiu em uma cadeira e acusou o prefeito de fazer aquele carnaval em forma de velório com dinheiro público.
De tapas em tapas, de bate-boca em bate-boca, a situação foi se apaziguando e teve continuidade, então, de forma civilizada, o adeus a Claudimir.
Quando amanheceu, o corpo foi levado, em cortejo, para a Igreja Matriz, onde o padre Toninho rezou a missa.
Às dez horas saiu o enterro até o pequeno cemitério.
Da igreja até a beira da cova onde Claudimir seria sepultado, o caixão foi carregado só por mulheres.
Na volta, os amigos do falecido comentavam:
– Esse viveu e morreu em paz entre as mulheres! De certo, já está procurando alguma virgem, lá no céu.
– Ou no inferno, retrucou outro.
Até hoje as histórias de Claudimir são contadas nas rodas de amigos lá em Colina. Mas sempre aumentando um pouco as suas façanhas com as mulheres.
“Quem conta um conto aumenta um ponto.”

Roberto Stavale
São Paulo, setembro de 2010
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