Usina de Letras
Usina de Letras
94 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62262 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10376)

Erótico (13571)

Frases (50653)

Humor (20037)

Infantil (5449)

Infanto Juvenil (4775)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140815)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6202)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Jabuti e suas jabotas -- 22/08/2010 - 11:00 (Alfredo Domingos Faria da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Jabuti e suas jabotas

A família, os amigos, todos enfim, só o chamavam de “Jabuti”. A mãe dizia que era um menino muito lento, vagaroso pra tudo. Daí o apelido.
Vamos combinar que o verdadeiro nome, Cleomar Alcoforado, já era um apelido. Não à toa, tinha “mar” no nome, em aviso do que seria o seu futuro.
Figura da “pista”, da “santa” esbórnia. Alegre, um “bon vivant”, no melhor sentido da expressão, embora não bebesse nada alcoólico, somente soda limonada.
Nascido em bom berço, de posses. Herdou do pai uma coleção de carros antigos, relógios raros, casas de vila, na bucólica Rua Barão da Torre em Ipanema, terrenos em Cabo Frio e um “senhor” apartamento de cinco quartos em Copacabana, onde morava confortavelmente.
Marinheiro por ofício, acostumado às durezas das viagens e aos bons momentos nos portos, pois para isso não era de ferro! Aliás, bem lhe cabia o poético devaneio de Neruda: “Amo o amor dos marinheiros, que beijam e se vão...”.
Soube conduzir, a contento, o período na ativa, sem pretensões de receber estrelas nos ombros. Angariou simpatia e cumpriu seu dever. Chegou à reserva da Marinha e entendeu que poderia aproveitar com sabedoria a aposentadoria, viver, inclusive, com tranquilidade financeira.
Primeiro desquitado, depois viúvo por muitos anos. Livre para todas as artes. As boas e as mais ou menos boas.
Tratava-se de uma Copacabana romântica, calma, bem típica dos anos 1960. Seu jeito boa-praça era conhecido na vizinhança. Passeava pelo bairro como que o saboreando. Não era homem de ter pressa. Ajudava a alguém na travessia da rua. Trocava cumprimentos e fraternas palavras. Dava um dinheirinho aos necessitados. Enfim, mantinha os antigos amigos e fazia outros a cada esquina.
Por seu modo gentil, pelas suas intensas relações, e muito em função das escaladas nas boates e bares da moda, conheceu Ronilda, a Nilda, que o apresentou à Dadinha, e, depois, à Kelly Cristina, a Cris (os nomes diminuídos ou abreviados soam mais simpáticos e carinhosos).
Faz-se necessária uma pausa para trazer à memória as casas noturnas da moda (boates e bares).
É bom citar algumas que fizeram parte de um roteiro encantador do Rio de Janeiro, onde, inclusive, a Bossa Nova deu seus primeiros passos. Naquela época, a diversão se passava em condições mais favoráveis; sem violência, pardal do trânsito, Lei Seca, HIV, etc.
“Entre outras, existiam a “New Girau”, na Siqueira Campos, a “Le Bateau”, na Serzedelo, a ”Zum-Zum”, na Barata Ribeiro, palco de Vinicius e Caymmi, e a “Balaio”, no Leme Palace Hotel, reduto dos adeptos do estilo fossa. Saudades desse tempo!
Pronto! Voltando aos quatro amigos, parceria que se perdurou, devemos indicar que o acaso da vida bordou para eles uma união interessante, juntou afeição de pai para com as filhas e retribuição na mesma intensidade.
Jabuti, na realidade, tinha lá a sua solidão. Para compensar, possuía espaço sobrando em casa, capaz de dar abrigo e obter companhia.
As três “meninas” praticavam o seu ofício, mas apenas à noite, nos “inferninhos” ou atendendo aos clientes de caderno, em domicílio.
Foi feita uma combinação de que “uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa”. Isto para que houvesse harmonia e que o bem-estar dele não fosse abalado pelo ganha-pão delas. Ganha-pão esse já entendido... E bem entendido! Era exigida discrição.
Acertaram, então, de viverem juntos.
Houve perfeito equilíbrio na convivência, sem intromissões no particular de cada um.
Com o passar do tempo, as coisas foram se aperfeiçoando. Ficou estabelecido que as tardes de sábado seriam de comilança! Ai!!! Desculpe! Não vamos deturpar o termo, que significa “comer muito, alimentar-se bem”.
Jabuti tinha arte na cozinha. Mais um predicado seu. Era quase um “Chef”. Vestia-se, até, com a indumentária de mestre-cuca. Esmerava-se na confecção, tendo como ponto forte os pratos com mais sustância. Havia brincadeira, afirmando-se que ele era especialista em tudo que terminasse em “ada”. Elaborava feijoada, rabada, buchada, peixada, e assim em diante; embora o risoto de camarão lhe roubasse a preferência.
Os convidados eram os mesmos. Amigos do peito, da rua (da farra) e da Marinha. As gargalhadas eram fartas, motivadas por aquelas velhas histórias, mas gostosas, as quais não nos cansamos de ouvir.
As “meninas” o ajudavam. Participavam ativamente. Mesmo no cotidiano, os afazeres da casa eram por conta delas. Como se diz, usando a galhofa: elas costuravam, chuleavam e pregavam botão. Caso prefiram: faziam barba, cabelo e bigode. É claro, sem segundas intenções nas expressões!
No dia a dia, a limpeza do apartamento era impecável. O quarto do mais antigo recebia tratamento especial, principalmente na arrumação da cama, onde sobressaíam os lençóis, cuidadosamente colocados e alisados.
Ao saírem para o trabalho, todas as noites, deixavam sobre o criado-mudo o habitual copo com leite e canela, levemente aquecido, como era do gosto do Jabuti.
Em resumo, o nosso amigo levava uma vida de nababo, mesmo arcando com as despesas, o que era encarado de forma prazerosa sem maiores transtornos. Havia, em contrapartida, a amizade e a ajuda doméstica.
No entanto, não há bem que perdure eternamente. São naturais as decaídas, as perdas.
Nilda, assumidamente líder das outras duas, precisou viajar ao Ceará para cuidar de parente adoentado. Foi-se pesarosa. Deixou o conforto e os companheiros.
Passado algum tempo, retornou, comemorando o restabelecimento. Mal chegou, deu por falta de um anelzinho de ouro, recordação da infância, de grande valor sentimental. Tanto que revirou tudo e não encontrou, que começou a suspeitar de alguém da casa, que teria o subtraído dos seus guardados. Foi uma amolação! Os outros negaram e ficaram incomodados com a desconfiança.
Uma manhã de domingo, ainda que ensolarada, presenciou uma severa discussão entre as três. Motivo: sumiço da relíquia.
O calor da discórdia foi subindo e chegou a um ponto incontrolável. Dadinha, ofendida, agrediu Nilda, que revidou. A terceira interveio aos gritos, descontrolada, despertando o desconforto e a revolta dos vizinhos.
Jabuti, que estava na orla, tomou conhecimento do tumulto ao chegar a casa. O porteiro adiantou a confusão instaurada. De nada valeram os seus esforços em apartar o desentendimento. É assim, de um modo geral. Quando mulheres brigam, é quase impossível separá-las. Os golpes são baixos, imprevistos!
Consequência: os moradores chamaram a radiopatrulha. A “joaninha” apareceu mais rapidamente do que esperavam.
Acrescentaram ao ocorrido as informações referentes à prostituição que supostamente estava ocorrendo no apartamento. Pior que isso: atribuíram ao Jabuti o “status” de patrão das “meninas”, explorador do trabalho alheio. Maldosamente, colocaram no imbróglio os eventos gastronômicos dos sábados, que na verdade não tinham nada de reprovável.
Foram todos trancafiados no xilindró.
Jabuti sentimentalmente sentiu o golpe da acusação leviana. Recolheu-se a um canto da cela, com a cabeça entre as pernas, em sinal, sobretudo, da vergonha que sentia. Nem sequer apelou para um advogado.
Depois de ali passar a primeira noite, lembrou-se de recorrer aos amigos queridos. Havia a possibilidade de a questão ser solucionada. A ajuda foi dada, efetivamente, e em dois dias foi posto em liberdade, juntamente com as moças.
A liberdade não trouxe alívio. O mal-estar não desapareceu. Jabuti nunca mais foi o mesmo. Ficou jururu. Nos dias atuais, podíamos dizer que ficou depressivo. Não entendeu a injustiça sofrida. Agiu com fraternidade, deu abrigo às “meninas”, merecendo destino melhor. Isso tudo lhe trouxe mágoa e decepção, sem contar o constrangimento da prisão.
Foi acometido de soluços permanentes, que não lhe davam sossego. Adquiriu depois uma série de doenças, ficando com a saúde debilitada. Colocou-se cada vez mais recluso na própria casa.
Pelas circunstâncias, achou prudente desfazer-se das companhias, sem desampará-las. Teve esse desvelo. Conseguiu acomodação e bons tratos para todas.
Em onze meses, Cleomar Alcoforado foi para as “hostes celestiais”, como escreveria Allan Poe.
Veio o descanso do Guerreiro, o “repouso no Senhor”. Fazer o quê?!
Entre as coisas amadas, restaram a imagem de Nª Sª das Graças, de quem era devoto, as condecorações recebidas na caserna, nas caixas de veludo, e o fusquinha azul, ano 1952, importado, com seus pneus de banda branca.
Está quem manda, Jabuti!
“Ceteris paribus”.

Alfredo Domingos Faria da Costa
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui